Há pouco mais de uma semana, de acordo com notícia do semanário "Expresso", formou-se uma estranha "coligação" entre os presidentes das câmaras de Lisboa e Porto. O objectivo seria "forçar" o regresso da discussão sobre a nova lei eleitoral autárquica ao Parlamento, permitindo que fosse aprovada ainda a tempo de ser posta em prática nas eleições de 2009. A proposta, recorde-se, previa a formação de executivos maioritários, fosse qual fosse a decisão do eleitorado.
Já no final desta semana, e a propósito de um colóquio sobre "O sistema de governo das autarquias locais", o assunto voltou à agenda. Um dos principais defensores das mudanças voltou a ser Rui Rio, que acha "prejudicial para a democracia" que um presidente de Câmara não possa remodelar o Executivo ao longo do mandato.
Em apoio da alteração surgiu também o secretário de Estado da Administração Local, Eduardo Cabrita, que acrescentou mais umas justificações para mexer na lei. Diz o governante que o sistema autárquico evoluiu para a bipolarização e para a presidencialização. E que portanto é nessa lógica que se deve discutir o futuro dos governos locais.
Basicamente, Rio e Cabrita propõem a mesma coisa: que se transplante para os municípios a mesma fórmula que hoje é usada na Assembleia da República (Assembleia Municipal) e no Governo (Executivo Municipal).
Considero que estes argumentos partem de pressupostos errado. Desde logo porque fazem tábua rasa do que deve ser, de facto, o Poder Local. Um sistema de governo próximo das populações, em que estas se sintam proporcionalmente representadas, em que as diferentes forças políticas possam influenciar e trabalhar na procura das melhores soluções.
Propor que se reforce a concentração de poder numa única pessoa - o presidente da Câmara - apenas facilitará o populismo e inviabilizará uma discussão saudável e democrática. Mesmo sem o instrumento legal que agora se propõe são já demasiados os casos de prepotência, gestão danosa e uso indiscriminado de dinheiros públicos para benefício pessoal ou de clientelas. Imaginem então o que seria se não houvesse qualquer controlo.
Por outro lado, e ao contrário do que publicitam os defensores de um poder pessoal e autoritário, são muito poucos os casos em que houve verdadeira incompatibilidade entre vereadores e presidente, ainda menos os que resultaram na perda de maiorias, e raríssimas as situações que resultaram em eleições antecipadas. Foram apenas 21 incompatibilidades (presidente a retirar pelouros aos vereadores), de acordo com os dados da própria Associação Nacional de Municípios.
Cito ainda o secretário-geral da ANMP, Artur Trindade [cuja filiação partidária desconheço], quando lembra que se pretende, com a nova lei, "uma estabilidade política blindada que não existe em democracia". E lembro ainda que a palavra democracia remete para um sistema político em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos. Do conjunto, não apenas de alguns, e muito menos de uma figura providencial.
Duvido que uma nova lei eleitoral autárquica chegue a ver a luz do dia antes das próximas eleições locais. Que mais não seja porque não estou a ver Cavaco Silva a promulgar semelhante proposta a poucos meses da assembleia eleitoral e em plena fase de campanha. Mas, façam-no agora ou depois, não tenho dúvidas que, a ser aprovada, terá um efeito perverso a médio prazo: afastar ainda mais os cidadãos da política local, como já acontece com a política nacional. É escusado argumentar com o reforço [que aliás será bem pequeno] do papel das assembleias municipais. Alguém duvida que se transformarão, a exemplo do que já acontece com a Assembleia da República, em meras caixas de ressonância do poder vigente?
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