segunda-feira, 1 de junho de 2009

Campanha eleitoral

1. A governabilidade e a estabilidade política do país não dependem de um governo de maioria absoluta, diz Manuela Ferreira Leite. Mais, não tenciona pedir a maioria absoluta na campanha para as eleições legislativas, porque considera que isso é fazer chantagem sobre o eleitorado. Não, Manuela Ferreira Leite não passou a ser, de repente, líder do PP, do PCP ou do BE, partidos que, pelo menos nos tempos que vivemos, não podem aspirar a liderar um governo. Manuela Ferreira Leite continua a ser líder de um partido, o PSD, que sempre defendeu a maioria absoluta como garantia da governabilidade e da estabilidade política.
O que leva então a líder do PSD a dar o dito por não dito? Simples, a certeza de que não poderá vencer as eleições legislativas e de que o seu partido terá de esperar muitos anos para voltar a beneficiar do capital de confiança que chegou a ter no passado. Quanto ao anátema da chantagem, é apenas retórica. Estivesse Manuela Ferreira Leite [e o PSD] na posição de José Sócrates [e do PS] e diria exactamente o contrário, com a mesma convicção.
2. É verdade que a capacidade de mobilização foi caindo, mas continua a ser impressionante que, à terceira manifestação, ainda sejam tantos os professores na rua. Interessa pouco se foram 60 mil, como diz a PSP, ou se foram 80 mil, como dizem os sindicatos. Foram muitos, mais do que na verdade se esperava que fossem. Nos tempos em que vivemos, de apatia generalizada, em que o sinónimo de protesto passou a ser o preguiçoso acto de assinar uma petição qualquer na Internet, a força e a mobilização dos professores tem de ser vista com respeito e consideração. Concorde--se ou não com algumas das razões do protesto.
Mas uma coisa é a indignação e o protesto a que têm direito os professores. Outra coisa é um sindicato entrar em campanha eleitoral. A Fenprof, que se saiba, não vai a votos no próximo domingo, tão-pouco nas próximas legislativas. Resulta, por isso, bizarro ouvir Mário Nogueira dizer, perante a imensa plateia, que "não podemos admitir que volte a funcionar uma maioria absoluta". Ficámos todos a saber que não foi o líder do sindicato dos professores que discursou, sábado à tarde, em Lisboa, foi o militante do PCP que aspira a ser líder de um sindicato de voto.
3. Falta uma semana para as eleições europeias, por todos [candidatos e eleitores] considerada uma primeira volta das legislativas. A diferença daquela relativamente a esta é que terá um nível de abstenção elevado, o que dificulta previsões e poderá baralhar o resultado.
O que nos dizem as sondagens é que a diferença entre PS e PSD se mantém estável, em redor dos três pontos, com socialistas na frente. Começa a ser provável que se confirme nas urnas porque, a um exuberante Paulo Rangel, que ameaçava com uma vitória, o PS contrapôs o eficaz José Sócrates, quase fazendo esquecer que o cabeça-de-lista é o trapalhão Vital Moreira. No campeonato dos mais pequenos, reaparece a capacidade de mobilização da CDU, agora que a festa na rua tem mais impacto. Fica mais para trás o Bloco, porque Louçã é mais eficaz no Parlamento do que em campanha. E no PP luta-se pela sobrevivência, de tal maneira que Nuno Melo foi atirado borda fora para dar lugar ao omnipresente Paulo Portas.
(*) Originalmente publicado no JN desta segunda-feira

A Europa é um outdoor

1 - Não é costume, mas por vezes um comentário pode começar a ser escrito pelo título. A Europa de que se fala é, evidentemente, a Europa do Parlamento Europeu. Pela qual estamos em período de campanha eleitoral. Na verdade, ninguém parece muito interessado. E até passaria quase despercebida, não fossem - lá está a explicação para o título - os outdoors.
É só por darmos de caras com eles, em ajuntamentos de cinco e seis, numa rotunda ou num recanto ajardinado qualquer, que percebemos que se aproxima uma pugna eleitoral. A que os portugueses pouco ou nada ligam porque pouco ou nada do que se diz nesta campanha lhes interessa.
Os temas europeus são vagos e complexos, fogem deles os eleitores e os candidatos. E no que diz respeito a temas nacionais, sabemos todos que não são estes os actores que contam. O verdadeiro campeonato e os verdadeiros líderes só entram em jogo no final do Verão. Sobram portanto os outdoors.
São os próprios candidatos que valorizam o outdoor mais do que qualquer outro meio de comunicação. Ao ponto de já se fazerem notícias sobre os outdoors que estão para sair. E de os candidatos convocarem conferências de Imprensa para junto de um outdoor. Para promover uma mensagem oca, às vezes bacoca.
2 - Ponto prévio: Leonor Cipriano é um monstro que não merece a solidariedade de ninguém. Matou a filha, Joana. Teve o sangue frio suficiente para se livrar do corpo. E para montar uma encenação de rapto que comoveu os portugueses. Foi desmascarada, julgada e condenada a 16 anos de cadeia. Nem pouco, nem muito, a medida que um tribunal, formado por gente que conhece a lei, julgou razoável.
Leonor Cipriano é um monstro, mas é um ser humano. E vive, felizmente para ela, mas sobretudo para nós, num Estado de Direito. E foi por isso que seguiu por diante um processo contra inspectores da Polícia Judiciária, acusados de a terem espancado.
A sentença saiu por estes dias e foi, por assim dizer, salomónica. O tribunal deu como provado que a história da queda pelas escadas era uma fantasia, ou seja, que Leonor Cipriano foi torturada por inspectores da PJ. Só não deu como provado quem foram os torturadores.
Mas foi possível apurar uma outra coisa: que um ex-inspector chamado Gonçalo Amaral [que o acaso do desaparecimento de Maddie transformou, entretanto, numa vedeta do jet-set] mentiu sobre o que se passou. E foi condenado a uma pena de cadeia [suspensa] por isso.
É legítimo pensar que quem conta uma mentira o faz para encobrir a verdade. E se entregássemos Gonçalo Amaral às mãos de esbirros pouco escrupulosos, que lhe arrancassem a verdade à pancada? Como pelos vistos alguém, da Polícia Judiciária, que ele conhece, fez com Leonor Cipriano.
(*) Originalmente publicado na edição do JN de 25/05/2009

Elisa e Narciso

1. "Com os dois pés no Porto", assegura o primeiro cartaz de Rui Rio na corrida à presidência da Câmara Municipal do Porto. Fica dado o mote para a longa campanha eleitoral, que só terminará em Setembro/Outubro.
Sendo que este mote de campanha lhe foi oferecido, numa bandeja, pela principal adversária, a socialista Elisa Ferreira. A candidatura simultânea ao Parlamento Europeu e à autarquia não deixará de lhe ser atirada à cara, tantas quantas as vezes que se cruzarem no longo caminho que falta percorrer.
Como já escrevi antes, isso não fará de Elisa Ferreira melhor ou pior presidente. Mas é um problema que faz dela, à partida, em termos formais, que não de conteúdo, uma pior candidata. E já vamos tendo provas disso: é a própria Elisa Ferreira quem tem de insistir, recorrentemente, que a sua prioridade é o Porto. E não devia ser preciso.
Foi o que teve de fazer, há uma semana, quando andou a "namorar" os eleitores mais velhos, nos centros de dia da freguesia de Paranhos. Sendo que ainda por cima o fez de forma desastrada: "Vou só dar o nome e volto". Como quem diz, o Parlamento Europeu não interessa nada, serve apenas para garantir um cargo político. E para que não restassem dúvidas, nova dose de explicações. "Sinceramente, eu quero vir para o Porto. O meu objectivo é sair de onde estou [Parlamento Europeu] e trabalhar para a cidade." Ou seja, vai perder mais tempo a tentar convencer os eleitores de que é uma candidata sincera e empenhada do que a explicar por que é a melhor alternativa a Rui Rio. O actual presidente e recandidato fará o que puder para manter o tema na agenda. Nem que seja com os pés.
2. "Vou vestir a camisola de Matosinhos, mas mantenho a t-shirt do PS bem colada ao meu coração". A frase é de Narciso Miranda e foi usada durante a sua apresentação, entre o povo, como candidato à Câmara de Matosinhos. É uma frase assim ao jeito de independente por fora, socialista por dentro. Um posicionamento que lhe permitirá somar, à sua óbvia notoriedade [não há ninguém tão conhecido em Matosinhos como Narciso], uma capacidade de atracção de eleitores de vários campos.
Desde logo os socialistas, sem os quais a vitória será impossível, que continuarão a ter "um socialista à frente da sua autarquia". Depois os abstencionistas, que poderão ser atraídos pelo facto de poderem votar, pela primeira vez, num movimento independente. E, finalmente, os eleitores que usam o voto como protesto e que poderão trocar PSD/PP, CDU e BE por um candidato com capacidade para ganhar.
É verdade que o PSD ainda não tem um rosto e que, quando o tiver, poderá começar a recuperar o terreno que entretanto perdeu. Por outro lado, Guilherme Pinto (PS), estando no poder, terá outra capacidade para fazer campanha. E na verdade faltam quatro longos meses. Mas parece - e às vezes o que parece é - que Narciso parte na frente. E se há coisa que não lhe falta é resistência, experiência e pelos vistos apoio, financeiro e popular, para aguentar esta corrida.
(*) Originalmente publicado na edição do JN de 18/05/2008

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O sorriso de Mona Lisa

Há entrevista a Marco António Costa para ler na edição desta semana do Matosinhos Hoje. Um proto-candidato do PSD à Câmara de Matosinhos que parece começar a afastar-se dessa condição. Ou, para citar o próprio: "Pela enésima vez, não sou candidato."
Mas o que mais nos diz o homem que, para além de "vice" da Câmara de Gaia, lidera a Distrital laranja? E que portanto terá palavra decisiva na escolha do litigante social-democrata? Diz, por exemplo, que Agostinho Branquinho foi convidado mas não avança. Que Paulo Morais "é um activo político importante do partido". E, ainda, que não pode responder quando lhe perguntam se o cabeça de lista será algum dos actuais vereadores.
Uma verdadeira Mona Lisa, portanto. De sorriso enigmático. A gente bem olha e bem procura ler nas entrelinhas, mas o rosto e o discurso são inexpressivos.
Pelos vistos, a decisão ou o anúncio ficam lá mais para o fim de Maio. Ou porque ainda não há candidato, ou porque dá jeito que os dois principais rivais se vão queimando em lume brando. Prova disso, as muitas linhas que lhes dedica Marco António. Apenas alguns exemplos.
Sobre Narciso: não é propriamente um menino do coro; não deixa Guilherme Pinto governar a Câmara; candidata-se por révanche; é o criador a tentar anular a criatura.
Sobre Guilherme: foi levado ao colo pelo Governo; não foi presidente da Câmara, foi regedor; viveu permanentemente pendurado na fralda da camisa do primeiro-ministro; tem a percepção de que a Câmara está perdida.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Pagar para correr

"A Área Disciplinar de Educação Física vem informar que o Torneio de Atletismo previsto no Plano de Actividades da Escola para os próximos dias 5 e 6 de Maio não se irá realizar por decisão desta área disciplinar. Esta decisão sustenta-se no facto de a Matosinhos Sport, Empresa Municipal de Desporto, cobrar este ano lectivo aluguer de instalações com o valor de 40 cêntimos por aluno por dia mais IVA, facto que consideramos inaceitável e que a escola não pode comportar"



Esta nota, que "assassina", em meia duzia de linhas, a política educativa e desportiva da nossa Câmara, chegou-me às mãos esta semana. É proveniente da E.B. 2,3 de Leça da Palmeira.
Ficamos a saber, entre outras coisas, que temos uma Empresa Municipal de Desporto que trata as escolas como se elas fossem empresas. E portanto trata os alunos como se fossem clientes. Mais moderno do que isto não há.
Estamos perante uma inversão das políticas educativas de Matosinhos. A partir de agora, em vez de ser a Câmara a financiar as escolas, são as escolas a financiar a Câmara. Sim, porque as despesas são mais que muitas, nomeadamente para pagar bons salários e bons carros aos administradores das empresas municipais.
Eu proponho, aliás, algumas medidas moralizadoras para além desta. Por exemplo, 20 cêntimos por aluno e por dia pela utilização dos recreios das escolas do primeiro ciclo. Isto para os alunos do escalão A, porque para os do B seria de 30 e para os "ricos" de 40 cêntimos. Já para consultar um livro em qualquer biblioteca escolar, 50 cêntimos. E por cada cinco minutos de utilização de um computador com ligação à internet, um euro (com desconto de 50% se for usado um Magalhães).

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Louçã, o vice?

Se há líder que se destacou neste cenário de crise foi Francisco Louçã. Vão longe os tempos em que se criticava no líder do Bloco de Esquerda um discurso que misturava o tom de seminarista com propostas radicais e anacrónicas. O sistema financeiro entretanto desabou, arrastando a chamada economia real, e com ele noções até então sagradas como mercado livre e liberalismo.
De repente, o capitalismo ficou parecido com a selvajaria para que antes alertava Louçã. Os vigaristas do off-shore, os banqueiros, os especuladores das bolsas, os donos das grandes fortunas, que faziam parte do léxico "simplório" do líder bloquista - e, vá lá, às vezes dos comunistas e de alguns socialistas - passaram a fazer parte do discurso global. E assim um seminarista aborrecido transformou-se, também de repente, num economista brilhante e num político visionário.
Restam, aliás, poucas dúvidas de que, mesmo sem estar no Governo, Francisco Louçã e o seu Bloco há meses que influenciam as políticas governativas. Provavelmente já poucos se lembram que o partido que ainda tem o Socialista no nome era apontado, há um ano atrás, pela generalidade dos analistas, como um exemplo de ponderação centrista, não deixando que a prática e o discurso lhe fugissem para a esquerda. Alguns meses de taxa de desemprego a subir, de PIB a diminuir e de pânico a instalar-se, foram suficientes para regressar às origens socialistas. E nos últimos meses lá fomos assistindo à apropriação, ainda que mitigada, de algumas das bandeiras do Bloco de Esquerda.
Talvez José Sócrates, que é um político sem ideologia, mas arguto e decidido, tenha percebido o que agora as sondagens mostram, nomeadamente a que hoje publicamos no JN: o Bloco de Esquerda sobe de forma aparentemente sólida e com uma força suficiente para ser ele, e apenas ele, o partido que garante a possibilidade de somar uma maioria parlamentar que sustente um Governo.
Parta-se do princípio que o Bloco Central é uma realidade afastada - o único que sonhará com isso será, talvez, Cavaco Silva - e olhe-se para os números: o PSD sobe, mas pouco mais do que desce o CDS. Os dois juntos ficam demasiado longe do PS. O CDS, aliás, está cada vez mais perto de voltar a transformar-se no "partido do táxi" (quando o seu número de deputados cabia dentro de um carro de aluguer), ou ainda menos do que isso, dois ou três deputados inúteis. O PCP não é capaz de conquistar o voto de protesto e mantém a sua base eleitoral habitual, ultrapassado pela dinâmica menos rígida e o discurso mais eficaz dos bloquistas. Sobram estes, com um grupo parlamentar provavelmente bem maior, para ajudar a sustentar um Governo liderado pelo PS.
O problema é: sendo este raciocínio lógico e sustentado pelas sondagens (veremos como será com os resultados a sério), alguém consegue imaginar um Governo com Sócrates a primeiro-ministro e Louçã a vice?
(*) Comentário originalmente publicado no JN desta segunda-feira

terça-feira, 28 de abril de 2009

A ignorância

"A despesa com pessoal é o argumento a que se vão agarrar as ignorâncias". Ainda ninguém tinha tido possibilidade de dizer o que quer que fosse sobre as contas da Câmara Municipal de Matosinhos (2008) e já Guilherme Pinto, em conferência de Imprensa, passava um atestado de incompetência a quem se lembrasse de abrir a boca. Poderia ser considerada uma boa jogada de antecipação, não fosse o insulto gratuito.
Do que se fala? Do aumento das despesas com pessoal em cinco milhões de euros nos últimos três anos. Correndo o risco de parecer ignorante, a mim parece-me de facto, vá lá, um pouco exagerado. Sobretudo quando atravessamos momentos de crise profunda, que convidariam a alguma restrição. Mesmo que tenha sido preciso acolher funcionários dos antigos serviços municipalizados na autarquia. Mesmo que aqui estejam incluídos os pagamentos aos monitores das actividades de enriquecimento curricular das escolas primárias. É muito milhão.
Acrescente-se que o tom tonitruante do presidente da Câmara não se esgotou no primeiro exemplo. Revelando um apego emocionante ao insulto, aproveitou para atacar quem se atreveu a duvidar da bondade dos recentes empréstimos à banca (32 milhões). "Mostram ignorância e até má-fé". Ora tomem lá.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Deolinda

Como vem sendo tradição (boa tradição), a Câmara de Matosinhos assinalou mais um aniversário do 25 de Abril com um concerto no Salão Nobre [aliás, foram dois, porque também houve soirée de piano no Constantino Nery].
Este ano foi a vez dos Deolinda, com a presença inimitável de Ana Bacalhau, a voz e provavelmente a alma mater do grupo. Um espectáculo interessante que pôs o Salão a rebentar pelas costuras com um outro tipo de canção de intervenção (ler exemplo mais abaixo).
E depois, no final, ainda deu para uma sessão de fogo-de-artifício, desta vez lançado a partir do telhado dos Paços do Concelho. Só foi pena o conjunto abarracado que decidiram plantar no Jardim Basílio Teles...

Movimento Perpétuo Associativo
Agora sim, damos a volta a isto!
Agora sim, há pernas para andar!
Agora sim, eu sinto o optimismo!
Vamos em frente, ninguém nos vai parar!
Agora não, que é hora do almoço...
Agora não, que é hora do jantar...
Agora não, que eu acho que não posso...
Amanhã vou trabalhar...
Agora sim, temos a força toda!
Agora sim, há fé neste querer!
Agora sim, só vejo gente boa!
Vamos em frente e havemos vencer!
Agora não, que me dói a barriga...
Agora não, dizem que vai chover...
Agora não, que joga o Benfica...
E eu tenho mais que fazer...
Agora sim, cantamos com vontade!
Agora sim, eu sinto a união!
Agora sim, já ouço a liberdade!
Vamos em frente, é esta a direcção!
Agora não, que falta um impresso...
Agora não, que o meu pai não quer...
Agora não, que há engarrafamentos...
Vão sem mim, que eu vou lá ter...

Abril

1 - Democracia. Disse-se algumas vezes por estes dias que Portugal, em termos formais, vive em democracia. Isto para concluir que um dos grandes objectivos do 25 de Abril - um dos três "D" - foi cumprido. Acontece que ao elogiar a forma o que acaba por ressaltar é a dúvida sobre o conteúdo. É verdade que temos um Parlamento e que somos nós que escolhemos quem nos representa. Mas será que nos sentimos representados? A resposta, para muitos, porventura para a maioria, será negativa.
A Assembleia da República, que deveria ser o porta-estandarte da nossa democracia, é hoje um órgão desacreditado. Foi, ao longo dos anos, completamente governamentalizada e partidarizada, com o que isso tem de pior. Os deputados já não representam os eleitores. Dependem dos humores de membros de governos ou de directórios partidários que decidem em circuito fechado. Agem em função das agendas e das conveniências de outros. Formalmente, os deputados continuam a ter o poder de decidir, na verdade não demonstram autonomia para decidir nada.
Não surpreende, portanto, que vão surgindo propostas para mudanças no regime. Uma das possibilidades mais discutidas nos últimos anos tem sido a da criação de círculos uninominais. Com o argumento de que o vínculo do deputado com os eleitores seria mais forte do que o compromisso partidário. Para outros, bastaria a abrir a possibilidade de candidaturas de movimentos independentes à Assembleia da República. Mais radical ainda é a proposta para introduzir um regime presidencial, à imagem do sistema francês. Qualquer delas merece pelo menos uma discussão séria. A ver se evitamos cair definitivamente no pântano.
2 - Desenvolvimento. Também neste caso se poderia dizer que, formalmente, o 25 de Abril cumpriu a sua missão. Sobretudo quando se compara o país miserável e atrasado de 1974 com o Portugal de hoje, um pouco mais rico e certamente mais evoluído. O problema é quando se coloca na balança o Portugal de hoje com alguns dos nossos parceiros europeus. Como a vizinha Espanha. Mesmo em tempos de crise, a fotografia não nos favorece.
Mais de três décadas passadas sobre o 25 de Abril, em Portugal continua a haver qualquer coisa como dois milhões de pobres. Com ou sem crise, estão permanentemente no fundo do poço. Um em cada cinco portugueses ainda não quebrou o ciclo de pobreza que se arrasta desde 1974. E sendo assim, só com alguma dose de credulidade se pode aceitar que fomos capazes de cumprir esse segundo "D" de Abril [o terceiro, o da descolonização, é um anacronismo que não cabe nesta crónica].
Pior do que o incumprimento é não se vislumbrar como e quem seja capaz de cumprir essa meta. Embora seja fácil perceber que se formos capazes de aprofundar a nossa democracia será certamente mais fácil encontrar um caminho sustentado de desenvolvimento. São objectivos que andam a par. E talvez os consigamos cumprir quando percebermos que a nossa participação não se esgota no voto.
(*) Crónica originalmente puublicada no JN desta segunda-feira

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O candidato do PSD

Mais um nome de um hipotético candidato do PSD a Matosinhos, segundo a Lusa desta manhã...

"O nome de Paulo Morais tem sido discutido dentro da concelhia de Matosinhos do PSD como provável candidato do partido à Câmara nas autárquicas do Outono, disseram à Lusa várias fontes sociais-democratas.As fontes referem que o nome de Paulo Morais começou a circular após o ex-vice-presidente de Rui Rio na Câmara do Porto ter participado, a 03 de Abril, num jantar de tomada de posse da concelhia de Matosinhos da JSD. Nesse jantar, em que Paulo Morais participou a convite de Marco António Costa, o líder da distrital do Porto do PSD justificou a presença do ex-autarca alegando que ele vai participar em vários projectos dos sociais-democratas de Matosinhos. "Paulo Morais veio ambientar-se", afirmou Marco António Costa, citado pelo jornal "Matosinhos Hoje", em declarações proferidas à margem daquela iniciativa."

E a reacção pronta do partido, em comunicado, ao final da manhã, apontando uma data...

"O Gabinete de Comunicação da Distrital do PSD/Porto afirma que qualquer nome que neste momento seja referenciado para candidato pelo PSD à Câmara de Matosinhos, como é o caso do Dr. Paulo Morais, hoje citado pela LUSA, não passa de uma mera especulação. A concelhia de Matosinhos, em consonância com a Distrital do PSD/Porto, já tem candidato e que será, em principio, apresentado durante a primeira quinzena de Maio".

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Quem fecha a porta?

A Câmara Municipal de Matosinhos vai aprovar hoje a contracção de empréstimos no valor de 32 milhões de euros. A parte de leão é para financiar obras municipais. Os cinco que restam são para garantir liquidez na tesouraria e poder pagar salários e outras despesas correntes.
Pergunta-se: quando estamos a apenas cinco meses de eleições, e independentemente de quem venha a ganhá-las, não será pouco ético estar a contrair uma dívida de montante monstruoso, que condicionará, e de que maneira, quem assegurar a gestão municipal no próximo mandato?
E por outro lado, se a Câmara não tem dinheiro nem pagar salários, não seria mais prudente fazer alguma poupança, ou a ideia é praticar uma gestão do tipo "quem venha atrás que feche a porta"?

Pobreza e tortura

1. Dois milhões de pobres. Cerca de metade são crianças e velhos. É esta a verdadeira medida do nosso atraso e da nossa vergonha, não a percentagem de PIB que ora desce, ora sobe. Os dois estudos, o do PIB e o da Pobreza, foram conhecidos esta semana. Chegaram da mesma fonte, o Banco de Portugal. Mas enquanto o primeiro gerou muito ruído, o segundo mal se ouviu. Intitula-se "Novos factos sobre a pobreza em Portugal", é de Nuno Alves e está disponível na página de Internet do BdP.
Diz-nos esse estudo que havia dois milhões de pobres em 2006. Ainda estávamos, portanto, em período de "prosperidade". Como sempre, entre os mais pobres estavam os que não tinham nada para oferecer ao colectivo, os que não acrescentam nada ao crescimento do PIB, ou seja, 300 mil crianças e 600 mil idosos. Diz-nos ainda o estudo que os agregados mais vulneráveis à pobreza são as famílias monoparentais, as que incluem idosos com baixos níveis de educação e, finalmente, as famílias em que um ou mais adultos estão no desemprego.
Esta conclusão, conjugada com o que se tem passado entretanto, ou seja, com o aumento significativo da taxa de desemprego, sobretudo nos últimos meses, remete para uma realidade assustadora: a de o contingente de pobres em Portugal já ser bem superior aos dois milhões. Crianças e velhos incluídos. Apetece portanto perguntar quando é que o país e a nossa classe política darão mais importância a esta negra realidade do que a percentagens do PIB. Que mais não seja, pelo menos por razões de aritmética eleitoral. Os pobres comem mal, vestem roupa coçada, têm muitas doenças, são pouco educados, mas também votam.
2. Tortura do sono, simular a morte por asfixia, espancar, manter o detido nu. Tácticas que os agentes da PIDE certamente não desdenhariam quando interrogavam os presos políticos portugueses. Acontece que a listagem não remete para qualquer memorial de horrores do Estado Novo, agora que se aproximam os 35 anos do 25 de Abril. Antes para o sinistro catálogo que um regime democrático como os EUA permitiu que se redigisse, com o propósito de ser utilizado contra suspeitos de terrorismo. Os manuais foram conhecidos esta semana. Particularmente brutal é a descrição do "waterboarding", técnica em que o detido fica deitado e imobilizado, com um pano tapando a boca e o nariz, enquanto lhe despejam água. Trinta a 40 segundos de sensação de morte por asfixia. Um método que os carcereiros da CIA recomendavam que fosse conjugado com a privação do sono, até sete dias. Ficava garantida uma confissão a preceito.
Estas práticas foram entretanto proibidas por Obama, que lamentou um "capítulo negro e doloroso" da história americana. Convém lembrar, no entanto, que tendo sido um capítulo protagonizado por Bush, contou com a cumplicidade política de alguns líderes europeus, como Blair, Aznar e até Durão Barroso. O único que se mantém num cargo político relevante é o último. Fará sentido que continue?
(*) Crónica originalmente publicada no JN desta segunda-feira

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os cartazes

Guilherme Pinto acha que a Comissão Nacional de Eleições não tem competência para decidir. PSD compara presidente da autarquia a Hugo Chavez. Narciso fala de “inexperiência” e “deslumbramento pelo poder”.

no Matosinhos Hoje

Quando o melhor que há para discutir é onde colocar o outdoor, melhor seria que não houvesse campanha. A única informação útil que falta aqui nesta síntese é que a Câmara ameaça recorrer ao Tribunal Constitucional. Genial.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A gémea e o fisco

1. No processo Apito Dourado, e em todos os apitos que funcionam na sua órbita, quando se pensa que já vimos tudo, há sempre uma novidade que nos surpreende. A primeira superestrela feminina deste caso foi Carolina Salgado. Mas aos poucos vai sendo destronada pela irmã gémea, Ana Salgado. Que primeiro esteve contra a irmã e ao lado de Pinto da Costa, para agora regressar ao seio familiar e denunciar o presidente do F. C. Porto. Presume-se que o arrependimento terá surgido quando deixou de receber os tais cinco mil euros por mês, em notas. Não se pense que a história fica por aqui. Um procurador mandou abrir um inquérito por suspeita de fraude fiscal. Presume-se que o procurador suspeite que, tendo recebido este rendimento mensal, Ana Salgado não o tenha declarado às Finanças e que, portanto, deixou por pagar o IRS. Ora aqui está uma bela prova de que a realidade ultrapassa sempre a ficção. Pena é que, para além do futebol, também a Justiça se meta nestes salgados.
2. Há um senhor de Braga chamado Domingos Névoa que foi eleito para a presidência da Braval, empresa intermunicipal que trata do lixo da região. Empresa pública, acrescente-se. Ora este senhor tinha sido condenado, há umas semanas, por tentativa de corrupção de um autarca. Nada que incomode os autarcas de Braga, Póvoa de Lanhoso, Amares, Vila Verde, Terras de Bouro e Vieira do Minho. Como explicou um deles, "as câmaras o que querem é bons preços e bons serviços". Um belo exemplo de pragmatismo. Um pouco na linha de raciocínio desse outro autarca modelo chamado Isaltino Morais que, quando confrontado com os 400 mil euros que lhe sobraram da campanha, decidiu guardá-los numa conta na Suíça. Domingos Névoa renunciou entretanto. Para desgraça dos autarcas de Braga, que deixarão de contar com bom serviço e a bom preço.
3. Ensinava-se antigamente que não se devia dar passo maior que a perna. Nenhum dos actuais inquilinos do Ministério da Educação terá tido um avô que lhe transmitisse alguma sabedoria popular. Caso contrário, não estariam com passo tão apressado para arranjar directores para todas as escolas do país. Não está em causa se a medida é boa ou má. Apenas a forma como se esbanjam dinheiros públicos. Os directores, naturalmente, terão um pagamento superior ao que teriam se continuassem como professores. Um pouco mais do que o que recebem os actuais membros dos conselhos executivos. Acontece que, com a obrigação de escolher, até final de Maio, todos os novos directores, os mandatos destes vão sobrepor-se aos dos conselhos anteriores. O que significa que o Ministério - ou seja, os nossos impostos - vai ter de pagar suplementos salariais aos que chegam e aos que partem. A 500 euros por cabeça. Não se podia ter dado um passo do tamanho da perna? Ou seja, substituir os conselhos executivos à medida que se fossem cumprindo os mandatos para os quais foram eleitos?
(*) Comentário originalmente publicado no JN desta segunda-feira

segunda-feira, 30 de março de 2009

Conversa de café

1 - "Ao que consta", a carta anónima que deu origem à investigação do chamado caso Freeport não era anónima. Aliás, "existem rumores" de que terão sido os próprios investigadores da PJ a sugerir que a denúncia se fizesse de forma anónima. Ora, estes "boatos rapidamente se tornam em verdades absolutas" quando surgem pela pena do bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto. E isso provocou uma evolução das "conversas de café", que até aqui condenavam José Sócrates, e tendem agora, "ao que parece", a absolvê-lo.
Para além de apontar o dedo a métodos de investigação inaceitáveis, o artigo de Marinho Pinto obriga a uma leitura mais atenta da carta anónima, que é afinal de autor bem conhecido. E o que de mais relevante se lê são as expressões que aparecem entre aspas mais acima.
É verdade que entretanto se foram juntando novos dados ao processo. Mas não deixa de ser extraordinário perceber que foi assim que se começou a investigação a alguém que é hoje primeiro-ministro de Portugal: com uma carta anónima feita a pedido de quem investiga e em que apenas se referem rumores e boatos ouvidos em conversas de café.
Questionado sobre estas trapalhadas, o procurador-geral da República lamenta o "romance" à volta do Freeport, acrescentando que é apenas um entre 500 mil processos em investigação. O que suscita de imediato uma nova pergunta: quantos desses 500 mil processos de investigação terão começado de uma forma tão abandalhada como o Freeport?

2 - O Metro do Porto tem cada vez mais passageiros (51,5 milhões de validações em 2008) e cada vez mais receitas operacionais (29,2 milhões de euros em 2008). No entanto, a situação financeira é cada vez pior e a empresa já entrou numa situação de falência técnica.
Tratando-se de uma empresa de transportes públicos, não se esperava que fosse lucrativa. Até porque pratica preços sociais. Mas também não parece saudável que encerre o ano com um prejuízo de 148,6 milhões. Sendo que a principal explicação para este desastre é que de um total de 246 milhões de euros de indemnizações compensatórias [a garantia de que é possível praticar preços sociais] que o Estado está a dever, chegaram apenas 11,6 milhões.
Outro número curioso é o que nos diz que, dos 123,8 milhões de euros investidos durante o ano passado (em obras ou na compra de veículos), apenas 7,4 milhões correspondem a investimento do Estado. O resto só foi possível através do endividamento bancário.
Isto ajuda a perceber porque se chegou um passivo da ordem dos 2,1 mil milhões de euros. É que o dinheiro que o Estado distribui generosamente por tudo o que é obra pública da região de Lisboa escasseia para as províncias. A importância do metro do Porto não passa a fase do discurso político. Quando é preciso distribuir verbas, há sempre uma ponte, aeroporto, auto-estrada ou até linha de metro mais importante para fazer na capital.
(*) Comentário originalmente publicado no JN desta segunda-feira

sexta-feira, 27 de março de 2009

Tabu no PSD

Ainda não vai ser este sábado que vamos conhecer o candidato do PSD a Matosinhos. Afinal é uma sessão de pré-campanha a nível distrital. O suspense vai manter-se por mais umas semanas...

Carta anónima a pedido

A carta anónima que envolveu José Sócrates no caso Freeport foi uma manipulação da Polícia Judiciária de Setúbal e dos seus inspectores. Quem o diz é o bastonário da Ordem dos Advogados. Está aberta a polémica. Quase cinco anos depois de a Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal ter recebido uma carta anónima, denunciando o envolvimento de José Sócrates na alteração da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo para beneficiar a construção do Outlet de Alcochete a troco de dinheiro para as legislativas de 2005 - falou-se em meio milhão de euros - , o bastonário da Ordem dos Advogados vem agora dizer que, afinal, não passou tudo de um embuste. "A carta anónima que incriminou Sócrates foi combinada com a PJ", escreve Marinho Pinto na edição de Abril do Boletim da Ordem, num longo artigo sobre (a falta de) segredo de justiça que norteou o Caso Freeport. in Jornal de Notícias


Marinho Pinto de novo na berlinda, de novo sem papas na língua. O que nos conta é devastador para a credibilidade dos investigadores portugueses, sejam polícias ou procuradores. Pelo caminho dá umas "munições" a Sócrates e à sua tese da campanha negra. Embora não pareça ser isso que o move. Um caso que certamente ainda dará hoje muito que falar.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O candidato?

"Marco António Costa, presidente da Distrital do PSD do Porto, vai almoçar com mais de mil mulheres (neste momento já existem 1130 inscrições) em MATOSINHOS, no próximo sábado, dia 28 de Março, pelas 13 horas, no Pavilhão de Desportos e Congressos de Matosinhos. Marco António Costa fará a sua intervenção direccionada para as eleições que se avizinham, mas com maior incidência nas autárquicas e também sobre MATOSINHOS já que este concelho MERECE MELHOR. Neste almoço de MULHERES conta-se com a presença de alguns homens: Luís Filipe Menezes (Gaia), Rui Rio (Porto), Macedo Vieira (Póvoa de Varzim), Fernando Melo (Valongo), Manuel Moreira (Marco de Canavezes), Celso Ferreira (Paredes), Pedro Pinto (Paços de Ferreira), Bernardino Vasconcelos (Trofa) e Alberto Santos (Penafiel)."

Um comunicado do PSD para uma iniciativa em Matosinhos, no próximo sábado. Tendo em conta os convidados que Marco António Costa terá a seu lado, caso para perguntar se o almoço é convocado pelo presidente da Distrital do PSD ou pelo candidato do PSD à Câmara de Matosinhos?

segunda-feira, 23 de março de 2009

Espanto

Como acredito que nos devemos chatear com pequenas coisas, antes que elas se tornem um hábito e se transformem em grandes e graves coisas, deixo-vos com a mais recente mensagem enviada a uma escola deste concelho. Que assim se transforma, digamos, numa espécie de carta aberta.
Sr. Presidente do Conselho Executivo
da E.B. 2,3 Leça da Palmeira,

caro professor Jorge Sequeira,

Esta é uma mensagem para reclamar mas, mais do que isso, é uma mensagem de espanto. Espanto por perceber que a Escola Básica 2,3 de Leça da Palmeira não é uma escola para todos [Ou, pelo menos, para ser menos antipático, é uma escola que alguns fazem com que não seja sempre para todos].
Pensava eu, na minha ingenuidade formal [e apenas nessa], que a Escola Pública não discriminava ninguém, nem ciganos, nem pretos, nem deficientes, nem gordos, nem magros, nem caixa de óculos, nem pernas de pau. Enganei-me. Pelos vistos, às vezes discrimina. Pelo menos nas competições que organiza.
Não, não estou a falar do concurso de “tangram” promovido, hoje mesmo, no Espaço de Matemática da Escola. Entre os professores de matemática da E.B. 2,3 de Leça da Palmeira não deverá passar pela cabeça organizar iniciativas em que não seja possível que todos possam participar. O que é tranquilizador, sobretudo numa área do conhecimento absolutamente fundamental como a matemática.
Isto a julgar por um dos alunos, que nem por acaso é meu filho. E que hoje lá está, com todos os coleguinhas que quiseram aprender brincando. Sendo que a classificação do concurso, que desconheço na altura em que escrevo, é aqui o que menos interessa. A mim, a ele e à escola.
Não sendo então a propósito do concurso de “tangram” que me espanto, sobra o outro, o de competições desportivas por equipas. Que no caso do 5º ano, que é do que estou a falar com conhecimento de causa, pelos vistos não aceita a participação de todos.
Tanto quanto percebi perceber participa quem os professores escolhem e ainda alguns escolhidos pelos próprios colegas antes “seleccionados” pelos professores. A estupidez do método, só por si, daria pano para mangas. Se não fosse à partida irrelevante.
Porque o problema fundamental é que não pode haver método de selecção. Não cabe à escola seleccionar os melhores desportistas. Cabe à escola formar todos os seus alunos, na matemática, como no desporto. É uma questão de igualdade de oportunidades, que imagino que algumas cabeças poeirentas não consigam compreender.
A selecção faz-se através da avaliação. Mas sem excluir, entenda-se. Se para a escola é assim tão importante saber quem são os melhores futebolistas do 5º ano, sugiro uma abordagem mais democrática e universal. Que se faça o mesmíssimo torneio, mas com a participação de todos os que o queiram fazer. Seja para os bons de bola, seja para os ciganos, os pretos, os deficientes, os gordos, os magros, os caixas de óculos e os pernas de pau. Isso daria mais do que uma equipa por turma? Excelente, façam-se duas ou três equipas por turma. E o evoluir do torneio trataria de fazer a selecção. Sem dramas. Porque todos poderiam participar.
Professor Jorge Sequeira, mesmo imaginando que lhe seja difícil subverter as regras quando o campeonato já está lançado, sugiro-lhe mesmo assim que tente explicar a quem de direito o que é a Escola Pública e como deve funcionar. E se já não for capaz de travar esta inqualificável iniciativa, peço-lhe que tome medidas no sentido de que não se volte a repetir.
Uma nota final apenas para acrescentar que, sendo esta mensagem dirigida a si, a entendo eu como uma mensagem dirigida a toda a comunidade escolar. Pelo que a poderá reencaminhar para quem entender. Eu farei, aliás, exactamente isso, começando pela Associação de Pais da E.B. 2,3 de Leça da Palmeira.

Matosinhos, 23 de Março de 2009
Rafael João Alves Tavares Barbosa

Lançar foguetes e apanhar canas

1. Em Espanha já lhe chamam a “festa do desempregado”. Porque em tempos de recessão, como explicava há dias o jornal “El País”, os desempregados converteram-se em foco de atenção política e comercial. O Governo de Zapatero concede-lhes uma moratória no pagamento da hipoteca, a Telefónica perdoa metade da conta mensal do telemóvel.
Em Portugal, a “festa” ainda não ultrapassou as fronteiras do Estado. A nossa PT ainda não anunciou nenhuma campanha de marketing do género. Mas Sócrates foi rápido a copiar o modelo da moratória no pagamento da prestação da casa. Uma espécie de “deixe acumular para amanhã o que não pode pagar hoje”. Fica por saber o que acontecerá se amanhã o desempregado não conseguir pagar o que acumulou.
Mas não sejamos demasiado cáusticos. À parte a moratória, o Governo anunciou iniciativas válidas, como o alargamento da acção social escolar às crianças com pais desempregados ou o aumento da comparticipação dos medicamentos genéricos para os que têm pensões mais baixas. Medidas que custam 100 milhões de euros ao Orçamento de Estado.
Será pouco ou muito, dependendo da perspectiva a partir da qual se compara: pouco, quase nada, se comparado ao custo de pontes, aeroportos e TGV que se anunciam; muito, se comparado a um orçamento familiar em que já não sobra nada para medicamentos, livros ou refeições na escola.
Não será, definitivamente, motivo para “festa”. Excepto nesse arraial popular em que às vezes o nosso Parlamento se transforma. Em que o Governo se ilude com o facto de ser o único com meios para lançar os foguetes e a oposição se irrita por não poder fazer mais nada do que apanhar as canas.
2. A apresentação do relatório anual da Escola Segura passou mais ou menos despercebida. Provavelmente já são poucos os que têm paciência para estatísticas, depois de tanto ouvir falar de taxas de desemprego. Mas não devia ser assim porque alguns daqueles números revelam situações preocupantes sobre o clima de violência que se vive em algumas escolas. Sobretudo o que nos diz que as agressões a professores continua a aumentar e que já se somam 206 casos participados num único ano lectivo.
Mas ainda mais preocupante é que os dois ministros que estiveram na apresentação do relatório – a da Educação e o da Administração Interna – se limitaram a apresentar os números. Nada sobre os motivos para tanta violência e indisciplina. Zero sobre o que propõem fazer para reverter o cancro que se vai instalando. Conclui-se que alguns ministros já não são capazes, sequer, de lançar foguetes. Talvez esteja na hora de alguns voltarem ao papel de tentar apanhar as canas.