segunda-feira, 20 de abril de 2009

Pobreza e tortura

1. Dois milhões de pobres. Cerca de metade são crianças e velhos. É esta a verdadeira medida do nosso atraso e da nossa vergonha, não a percentagem de PIB que ora desce, ora sobe. Os dois estudos, o do PIB e o da Pobreza, foram conhecidos esta semana. Chegaram da mesma fonte, o Banco de Portugal. Mas enquanto o primeiro gerou muito ruído, o segundo mal se ouviu. Intitula-se "Novos factos sobre a pobreza em Portugal", é de Nuno Alves e está disponível na página de Internet do BdP.
Diz-nos esse estudo que havia dois milhões de pobres em 2006. Ainda estávamos, portanto, em período de "prosperidade". Como sempre, entre os mais pobres estavam os que não tinham nada para oferecer ao colectivo, os que não acrescentam nada ao crescimento do PIB, ou seja, 300 mil crianças e 600 mil idosos. Diz-nos ainda o estudo que os agregados mais vulneráveis à pobreza são as famílias monoparentais, as que incluem idosos com baixos níveis de educação e, finalmente, as famílias em que um ou mais adultos estão no desemprego.
Esta conclusão, conjugada com o que se tem passado entretanto, ou seja, com o aumento significativo da taxa de desemprego, sobretudo nos últimos meses, remete para uma realidade assustadora: a de o contingente de pobres em Portugal já ser bem superior aos dois milhões. Crianças e velhos incluídos. Apetece portanto perguntar quando é que o país e a nossa classe política darão mais importância a esta negra realidade do que a percentagens do PIB. Que mais não seja, pelo menos por razões de aritmética eleitoral. Os pobres comem mal, vestem roupa coçada, têm muitas doenças, são pouco educados, mas também votam.
2. Tortura do sono, simular a morte por asfixia, espancar, manter o detido nu. Tácticas que os agentes da PIDE certamente não desdenhariam quando interrogavam os presos políticos portugueses. Acontece que a listagem não remete para qualquer memorial de horrores do Estado Novo, agora que se aproximam os 35 anos do 25 de Abril. Antes para o sinistro catálogo que um regime democrático como os EUA permitiu que se redigisse, com o propósito de ser utilizado contra suspeitos de terrorismo. Os manuais foram conhecidos esta semana. Particularmente brutal é a descrição do "waterboarding", técnica em que o detido fica deitado e imobilizado, com um pano tapando a boca e o nariz, enquanto lhe despejam água. Trinta a 40 segundos de sensação de morte por asfixia. Um método que os carcereiros da CIA recomendavam que fosse conjugado com a privação do sono, até sete dias. Ficava garantida uma confissão a preceito.
Estas práticas foram entretanto proibidas por Obama, que lamentou um "capítulo negro e doloroso" da história americana. Convém lembrar, no entanto, que tendo sido um capítulo protagonizado por Bush, contou com a cumplicidade política de alguns líderes europeus, como Blair, Aznar e até Durão Barroso. O único que se mantém num cargo político relevante é o último. Fará sentido que continue?
(*) Crónica originalmente publicada no JN desta segunda-feira

1 comentário:

JOSÉ MODESTO disse...

Caro Rafael, parabéns pelo texto irei comentar na seguinte forma:


Ser pobre um dia não custa nada. O que custa é sê-lo todos os dias...


A tortura será sempre uma experiência humilhante...

Saudações Marítimas
José Modesto