segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Pagar o Parque em géneros


"Está a tentar-se uma solução, mas não é fácil. Porque eles querem receber muito e nós queremos pagar pouco". Do que falava Rui Rio, em Maio passado, era de encontrar uma solução para o diferendo entre a Câmara e os proprietários dos terrenos do Parque da Cidade. A julgar pelas notícias da semana passada, as negociações avançam. E a autarquia já explicou com que "moeda" pretende pagar: terrenos e edifícios municipais. Os primeiros com capacidade construtiva, os segundos atractivos para venda. Para que, com uns e outros, os proprietários consigam um negócio justo.
O modelo não oferece contestação. Porque a alternativa é deixar a decisão nas mãos dos tribunais. Ora, a sentença sobre o primeiro dos lotes de terreno em questão não prenuncia nada de bom para os cofres municipais e, portanto, para o bom uso que se deve fazer do dinheiro dos contribuintes: o valor atribuído a pouco mais de 73 mil metros quadrados foi de 25 milhões euros. E ainda está por definir o preço de outros 100 mil metros quadrados. Mais tarde ou mais cedo, a factura chegará.
Argumentarão alguns que a Câmara do Porto negoceia, agora, numa posição de fraqueza e que isso terá reflexos no preço a pagar. É um risco que se corre. Mas vale a pena corrê-lo, tendo em conta a quase unanimidade entre os cidadãos no sentido de garantir a integridade do Parque da Cidade. E é um risco que Rui Rio não parece ter receio de correr. Porque está obrigado a cumprir o compromisso que fez com os que o elegeram, mas também porque sabe que o tempo joga a seu favor.
O consórcio proprietário dos terrenos também tem pressa de seguir em frente e recuperar os milhões que empatou há uma década. E terá noção de que ninguém de bom senso defenderá o lucro privado face ao interesse público. Aliás, esta é uma das matérias em que o Executivo municipal deve falar a uma só voz, sem partidarites. Ainda que haja eleições no horizonte. A irresponsabilidade terá, para além de um preço em euros, um preço político.
Se o modelo de negociação não oferece contestação, isso não significa que tenha de ser aceite a qualquer preço. Rui Rio já se queixou que, a valerem os preços dos tribunais, o Porto teria o parque verde mais caro do Mundo. E o desabafo é igualmente válido para pagamentos em dinheiro ou em géneros (terrenos e edifícios municipais). Se não faz sentido pagar 50 milhões (ou mais), que aliás não há, a Câmara também não pode desbaratar todo o património num único equipamento.
Voltando ao princípio e ao desabafo de Rui Rio, não é uma solução fácil. "Eles querem receber muito e nós queremos pagar pouco". É sempre bom ter presente que "eles" é sinónimo de interesse privado e "nós" de interesse público. Não pode haver dúvidas sobre qual deve prevalecer.

(*) Crónica originalmente publicada
no JN desta segunda-feira

1 comentário:

Anónimo disse...

Sobre a questão de construir nas franjas do Parque da Cidade sempre tive a opinião de que não é desejável construir nas áreas reservadas a espaços verdes de lazer. Já se percebeu que o Parque da Cidade é cada vez mais a "sala de estar e de lazer" da cidade do Porto, e, em certas épocas do ano, do Grande Porto. É uma mais-valia para mais de um milhão de pessoas que não podemos permitir que seja esquartejada como se de um pedaço de carne se tratasse. Até aqui estamos, em princípio, quase todos de acordo.
Mas temos de ser igualmente críticos para a leviandade e gravidade do que se passa, hoje, no topo ocidental do Parque com as pistas de aterragem de aviões. Porque é que tantos se preocuparam com as construções nas franjas do Parque e quase ninguém fala desta monstruosidade de asfalto barulhento? Já alguém se deu ao trabalho de analisar seriamente o que o Presidente Rui Rio decidiu fazer com as dezenas de milhares de metros de Parque destinados ao "queimódromo" e à pista de aterragem de aviões? Já mediram o que está em causa? Com o rigor que o "Live Search Maps" permite, medi mais de 50.000m2 de tapete de asfalto!!! Meus senhores, mais de 5 hectares do Parque da Cidade estão alocados ao "queimódromo" e à pista de aterragem de aviões. Será honesto alguém falar de construções nas franjas do Parque, que ocupavam menos de 20% desta área, e esquecer as mais de cinco dezenas de milhares de metros quadrados de asfalto que sua excelência decidiu construir sem "dar cavaco às tropas"? Em termos de equilíbrio urbano qual é a situação mais gravosa para as cidades do Porto e Matosinhos? Estou certo que será a actual, pois não trouxe benefício para quase ninguém. Eu sei que as construções que estiveram previstas apenas beneficiam alguns privados: os que lá conseguissem conmstruir e os que lá que conseguissem comprar casa. Sobre isto não há quaisquer dúvidas. E os 50.000m2 de asfalto beneficiam quem? São de uso público? Essa é que era boa. Nem com "crachat" lá entro!
Em resumo: quando se falar da asneira de construir no Parque da Cidade, fale-se também com o mesmo tom da asneira do "asfaltamento" de 50.000m2 que lá estão. Só assim a conversa tem sentido.