segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Será retórica? É perigosa!


Os professores queixam-se da burocracia com que o processo de avaliação afogou as escolas. Mais burocracia significa mais horas a tratar de papelada e menos horas a preparar as aulas. Menor atenção aos alunos, menor atenção ao currículo escolar. “Com tanta papelada fica a turma abandonada”, sintetizava um dos cartazes que se viram no sábado, na manifestação de professores.
Um pesadelo burocrático que, com mais ou menos exagero, se pode contabilizar. “Para cada um dos professores que tenho de avaliar preciso de preencher 44 folhas. No nosso Agrupamento, que tem 133 professores, teríamos de preencher 5862 páginas, que pesam 33 quilos e 200 gramas”, explica um professor titular de Esposende, que tem como função avaliar os seus colegas.
Desta vez, e ao contrário de Março passado, os professores foram bem instruídos pelos sindicatos. Usam uma linguagem que os pais dos alunos percebem. E nenhum pai fica tranquilo quando o percurso escolar do filho é assim tão cruamente posto em causa.
Mas a preocupação dos pais não pode ser confundida com apoio incondicional à luta dos professores. Se o mote é, desta vez, o sistema de avaliação e a sua carga burocrática, sabemos todos que há gato escondido com rabo de fora.
Os professores também estiveram e continuam a estar contra as aulas de substituição. Como estiveram e estão contra a Escola a Tempo Inteiro. Como estarão, sempre que funcionarem de forma corporativa, contra qualquer reforma que ponha em causa direitos adquiridos. Por mais absurdos que sejam.
Nos últimos anos, os professores foram obrigados a passar mais tempo na sala de aula, mais tempo dentro da escola. Para uns foi um choque, porque perderam tempo livre; para outros uma injustiça, porque o tempo que usavam para serem melhores professores foi tomado por tarefas aparentemente menores.
Como sempre, é no meio que se encontra a virtude. A ministra da Educação pode orgulhar-se das transformações que introduziu na Escola Pública. A seu tempo darão os devidos frutos. Teve de ser, demasiadas vezes, inflexível. Mas terá agora de demonstrar flexibilidade. Os professores têm de ser avaliados, mas não o podem ser à custa dos alunos. Ainda que esta ameaça seja apenas retórica, é demasiado perigosa.

P.S. “Contra o estatuto do aluno; pelo vosso entretenimento”, dizia o cartaz que um aluno empunhava numa das “manifestações” de estudantes. São contra o novo estatuto, porque não querem fazer provas de recuperação; são contra as aulas de substituição, porque querem mais umas horas de ócio. E gostam de atirar ovos e tomates. Não vale a pena ser demasiado duro. São adolescentes. As alterações hormonais próprias da idade tendem, para além da prevalência do acne, a revelar comportamentos menos ortodoxos. Tal como as borbulhas, a indignação passará em poucos dias.

(*) Crónica originalmente publicada no JN desta segunda-feira

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