segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Asha e Obama


1- Na Somália há caos, fome, senhores da guerra, tribunais islâmicos. Não há Governo, não há comida, não há justiça. Mas há telefones. E foi por telefone que Asha Dhuhulow explicou ao pai que ia morrer. Executada por lapidação. Tinha 14 anos.
Foi na semana passada que a curta história de vida de Asha se transformou numa história de morte. A família enviara-a para Norte e para longe do campo de refugiados onde nasceu, na esperança de lhe conseguir melhores cuidados médicos.
A viagem foi interrompida em Kismayo, cidade do Sul da Somália, entretanto tomada pelas milícias Al Shabab (A Juventude), organização terrorista com ligações à Al Quaeda. E o que deveria ter sido um julgamento de três homens pela brutal violação de uma menina, transformou-se numa farsa para condenar uma adúltera.
Como é hábito, a execução foi pública, tendo sido arrebanhada uma pequena multidão de deserdados e famintos para o estádio local. Alguns revoltaram-se contra o horror com que os confrontaram. Foram silenciados a rajadas de metralhadora. O ritual prosseguiu. Um camião trouxera atempadamente o carregamento de pedras. Cinquenta homens rodearam Asha, enterraram-na até ao pescoço, para a imobilizar, e cobriram-lhe a cabeça com um capuz. E assim a mataram. À pedrada.


2 - Se o Mundo pudesse votar, Barack Obama seria presidente dos Estados Unidos da América. Por uma dúzia de boas razões. Mas também por ser negro. E assim se demonstrar que é possível quebrar o preconceito racial e, associado a ele, um destino de pobreza e de falência.
Filho de um queniano, tem neste país [e no continente] de "origem" um apoio quase incondicional. Não será o novo messias, mas é visto como o homem que poderá assegurar um Mundo mais pacífico. Sobretudo, a paz para África. Os africanos sabem que só a paz trará a prosperidade de que desesperadamente necessitam. Para inverter o ciclo de pobreza e de violência endémicas.
Notícias desta semana davam conta da ameaça de fome que atinge vários países do chamado Corno de África - Quénia e Somália incluídos. 18 milhões de pessoas enfrentam aquela que se poderá tornar, nos próximos meses, segundo os relatos que chegam da zona, na pior tragédia humanitária da década.
Não é provável que o extraordinário carisma de Barack Obama seja suficiente para inverter a hipocrisia que habitualmente se move a política internacional. Mas é ainda assim razoável esperar que exporte, para fora dos EUA, a sua crença e a sua ambição de mudança. Já será tarde para Asha. Mas pode ser que seja a tempo de salvar milhões de africanos da fome, da tirania, do extremismo e da violência.


(*) Crónica originalmente publicada no JN de hoje

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