segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Guerra civil

Maria de Lurdes Rodrigues e Mário Nogueira fazem lembrar dois generais romanos, César e Pompeu. Ambos lutando pelo estatuto de Primeiro Homem de Roma. Ambos obcecados pelo poder e pela sua “dignitas”. Ao ponto de se envolveram numa guerra civil que quase destruiu a sua civilização. A dúvida, por enquanto, é saber quem, nesta comédia moderna, encarna César [o vencedor] e quem encarna Pompeu [o derrotado]. Sendo que o actual campo de batalha, em vez de Roma, é a escola pública.
Ministra e sindicalista foram, nos últimos dias, cavando trincheiras, reunindo centuriões, aumentando o tom da retórica, diminuindo a margem de recuo, liquidando a possibilidade de negociação racional. Estão num beco sem saída e nem percebem que é o mesmo beco. Como se escreveu mil vezes, nenhum conseguirá recuar sem perder a face. Sem perder a “dignitas”. Não tarda e será até inconsequente tentar perceber se algum tem mais razão que o outro.
No caso de Roma, acabou por vencer César. Não era melhor nem pior que Pompeu, nem como general, nem como político, nem como intelectual. Mas, como se sabe, a história é escrita pelos vencedores, e portanto foi César que passou para a galeria dos heróis e para o panteão dos deuses. Mas essa é apenas uma forma de interpretar a História. Outra é lembrar que a guerra deixou ressentimentos tão profundos que o vencedor pouco lhe sobreviveu. O “primus” acabou assassinado pelos seus “pares” quando ainda apenas tinha começado a usufruir do seu novo estatuto.
Maria de Lurdes Rodrigues e Mário Nogueira são duas personalidades relevantes da política portuguesa. Com virtudes, mas também com defeitos: a primeira porque vai transformando a sua obstinação num fim em si mesmo; o segundo porque persiste em confundir o interesse da corporação com o interesse do país. Um e outro estão cada vez mais parecidos, uma vez que ameaçam sobrepor a sua “dignitas” ao interesse colectivo. Quando e se um deles acabar por finalmente sobrepor-se ao outro, já não terá louros para colher. O povo não gosta de guerras civis. São demasiado destrutivas e deixam feridas incuráveis.
Disse Manuel Alegre no final desta semana que os generais precisam de saber fazer a guerra, mas também de saber fazer a paz. Percebeu que a ministra abriu algumas portas e pedia-lhe que não as voltasse a fechar, enquanto apelava aos sindicatos que aproveitassem a porta entreaberta para negociar. Veremos se o fim-de-semana serviu para acalmar espíritos bélicos ou se as legiões voltarão à formação de batalha.

P.S. Há uma escola em Beiriz, na Póvoa de Varzim, onde o processo de avaliação decorre dentro dos prazos, sem manifestações nem protestos. “Em vez de meterem a cabeça na areia”, os órgãos da escola empenharam-se em encontrar soluções menos burocráticas. Depois das primeiras notícias, o Conselho Executivo opta agora pelo silêncio. Porque de outras escolas e de outros professores o que chegam não são elogios, são acusações de “fura-greves”. Conclui-se que a alguns professores faria bem regressar à condição de aluno. Para frequentarem a cadeira de “Formação Cívica”…
(*) Crónica originalmente publicada no JN desta segunda-feira

4 comentários:

Anónimo disse...

Não é correcto fazer-se a análise de uma situação, focalizando-se um momento. Tudo na vida é um processo. Dizer-se, agora, que a ministra e os sindicatos estão em contraponto, num orgulho próprio, numa cega defesa de classe, é esquecer tudo o que aqui conduziu.
Não reforma alguma que seja possível sem procurar envolver todos os agentes. É a diferença entre uma gestão autocrática e uma gestão participada. A primeira impõe, puxa dos galões, só ganham os serventuários, aqueles que estão disponíveis para tudo. A segunda procura ganhar para o processo todos os que nele estão envovidos. Com esta ministra, tal como com este governo, as ditas reformas foram feitas sem se procurar envolver quem nelas deveria participar, antes pelo contrário promoveram-se campanhas de enxovalhamento, de amesquinhamento, atribuindo-lhes culpas de tudo o que de mal acontecia no País. Claro que nunca dizendo que o objectivo era o ataque às funções sociais que constitucionalmente cabem ao Estado. É a degradação da escola pública, é a destruição do serviço nacional de saúde, há anos considerado um dos melhores do mundo e hoje em queda acentuada, é toda uma política que cada vez mais aprofunda as desigualdades sociais. Este tipo de gestão, incentivador de conflitos, nem no sector privado evoluido é praticado. Por isso, há que ir à origem e não analisar apenas o status quo. Os professores, tal como os funcionários públicos, não podem ser os bodes expiatórios de uma política cujos objectivos só não são vistos por quem não quer. Há um poema, creio, de Maiakowski que permanece actual, enquadrado, naturalmente, na questão presente. Pode ser que um dia destes o traga aqui, que neste momento não o tenho disponível.

Anónimo disse...

Rafael, o seu texto é inteligente e útil. É tudo o que tenho para dizer.
PS: Há anónimos que gastam uma eternidade para dizer o óbvio...

Anónimo disse...

Quero dizer que estou plenamente de acordo com o que disse o anónimo do post de segunda-feira que como disse o seguinte é óbvio.
Pena que o óbvio não seja entendido por quem o deveria ser que continua de alteração em alteração sem ir ao fundo da questão e voltar ao princípio para discutir com todos. Com este comportamento, a ministra e o governo apenas provam que não sabem o que andam a fazer. E já agora que tanto se discutem avaliações porque não avaliar os cursos tirados em algumas ditas universidades, como a Independente? Era uma boa ideia.

Anónimo disse...

A ministra, e naturalmente o governo, vão de recuo em recuo, sem quererem assumir, seria pedir honestidade a tal gente, que o processo que desencadearam está errado desde a sua origem e que só a suspensão resolverá a situação. Será que se o processo fosse tão claro e indiscutível como ela e o primeiro ministro, ai se ele tivesse sido avaliado por processos normais ..., tantas vezes insistiram, teria havido as alterações que já anunciaram? A vida mostra quem tem sido teimoso sem ter razão e provocou uma guerra que só o autoritarismo justifica.