segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O atoleiro


Casa Pia, Apito Dourado, Operação Furacão, Portucale, Freeport. Nos últimos anos, os portugueses têm sido surpreendidos por uma série de processos judiciais que provocam sentimentos contraditórios. Primeiro cria-se a expectativa de que a nossa Justiça funciona, de que os nossos magistrados não receiam investigar os poderosos, de que somos todos iguais perante a lei. Resumindo, cria-se a convicção de que vivemos num país com uma democracia sólida. Mas a ilusão de um Portugal moderno e adulto dura sempre pouco. Rapidamente estes processos se transformam num atoleiro judicial que serve para pouco mais do que encher páginas de jornais e animar conversas de café.
Veja-se o célebre processo Casa Pia. É verdade que conseguiu chegar à fase de julgamento. Mas quantos “pedófilos” foram, pelo meio, apontados na praça pública, sem hipótese de defesa? E o Apito Dourado, essa mega-investigação que permitiria acabar de vez com a corrupção no futebol, para que serviu? Sobretudo para tornar públicas dezenas de escutas telefónicas, para gáudio de milhões de espectadores deliciados com o vernáculo utilizado pelos principais dirigentes do futebol português. A Operação Furacão arrasta-se de busca em busca, numa espécie de fuga para a frente que a transforma numa meada de que já ninguém encontra a ponta. Ao processo Portucale aconteceu-lhe o mesmo que aos sobreiros, foi abatido. E temos agora o Freeport.
Um caso em que José Sócrates não sendo suspeito, está sob suspeita. E sendo José Sócrates o primeiro-ministro de Portugal, o caso ganha contornos de “assunto de Estado”, como reconhece Cavaco Silva. Esse facto, por si só, não impedirá que, como nos exemplos anteriores, o processo se transforme num atoleiro judicial. Com todos os ingredientes para evoluir para um atoleiro político. E ainda por cima no momento em que o país (e o Mundo) ameaça resvalar para um dos piores atoleiros económico-sociais de que há memória. Tudo somado, é real a ameaça que paira sobre o nosso destino colectivo. É essa a responsabilidade que pesa sobre quem tem que investigar e clarificar este caso.
Uma investigação que tem de ser concluída de forma célere. Ainda que seja apenas na parte que diz respeito ao envolvimento do primeiro-ministro. E que precisa de um comunicação clara e objectiva. Que não tem acontecido até aqui. Ora se divulga um comunicado da PGR em que se diz que José Sócrates não pode ser considerado suspeito; ora se ouve Cândida Almeida dizer que todos o que intervieram nesta situação são suspeitos, mesmo que não haja arguidos. Presume a magistrada que esta nuance jurídica deixa a opinião pública tranquila. Não deixa. Muito menos se a ouvirmos dizer, logo a seguir, que os governos de gestão decidem coisas que não devem decidir. A afirmação é incontestável, o contexto em que é proferida transforma-a numa frase incendiária.


*Crónica originalmente publicada no JN desta segunda-feira

1 comentário:

JOSÉ MODESTO disse...

Caro Rafael, para quando um jantar de bloguistas!!!.