sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Desesperança



Perguntaram-me várias vezes o que achava do país. Respondi sempre da mesma forma: o primeiro impacto foi de assombro com a força da Natureza, a beleza da paisagem, as praias paradisíacas, as gentes afáveis.
No entanto, e à medida que os dias foram correndo, uma outra realidade impôs-se a esta imagem de bilhete-postal: a da pobreza extrema e, pior do que isso, a da desesperança. O termo nem sequer é meu, foi assim que o primeiro-ministro de S. Tomé e Príncipe, com surpreendente sentido de autocrítica, se referiu ao momento que atravessa o seu país.
O Parlamento de S. Tomé aprovou, há poucos dias, o Orçamento de Estado para 2009. Mas não há muito para contar e isso diz quase tudo. São pouco mais de 100 milhões de euros. E cerca de 85% dessa verba será garantida pelo apoio externo. O Estado são-tomense não é capaz de gerar receitas porque não tem a quem cobrar impostos.
Parte da ajuda externa que ajuda a formar o Orçamento chega de Taiwan. É o maior contribuinte em numerário do arquipélago. Os chineses insulares não estão muito interessados no desenvolvimento de S. Tomé, é apenas o preço a pagar pelo reconhecimento da independência face à China continental. Que uns quantos estados, tão necessitados de dinheiro como S. Tomé, aceitaram vender.
O outro grande parceiro externo é Portugal. Mais do que em dinheiro, o apoio chega em "géneros". Os quase 50 milhões de euros que os são-tomenses vão receber, até 2011, chegarão através de programas de saúde e de educação. Esforço louvável, às vezes inglório. Porque há equipamento médico tão necessário que desaparece, porque o sistema de cuidados primários de saúde nem sempre funciona, porque os alunos dos professores portugueses não têm material didáctico e, em muitos casos, também não têm o que comer.
Durante os últimos anos, os políticos são-tomenses foram iludindo o seu povo com a promessa de uma "idade do petróleo". Mas essa é uma quimera que se esconde, quase inacessível, no fundo das águas do golfo da Guiné. E a queda abrupta do preço do barril nos mercados internacionais afunda o que ainda sobra do sonho.
Esta incerta "idade do petróleo" sucede a uma "idade do cacau". Uma indústria já decadente quando o país conquistou a independência foi destruída com a nacionalização das roças dos colonos portugueses. O Estado quis nacionalizar os lucros, mas limitou-se a extinguir a capacidade produtiva. As roças foram tomadas pelas populações, as infra-estruturas pilhadas, os cacaueiros absorvidos pela floresta equatorial.
Chega-se ao extraordinário ponto de ouvir aqueles que trabalharam em duras condições, sob o mando de capatazes coloniais pouco amistosos, suspirarem pelo regresso dos portugueses às roças. Desesperança parece ser, de facto, a palavra certa.




[Crónica originalmente publicada no JN de 22 de Dezembro]

2 comentários:

JOSÉ MODESTO disse...

Caro Rafael, sem dúvida locais paradisiacos, á 4 anos estive em São Tomé.
Gostei, povo carinhoso denotando ainda uma certa desconfiança...afinal ainda são laços comuns que deixamos.Bem vindo

Anónimo disse...

Conheço S. Tomé e tomei mais uma vez nota de que um estado tem de ter massa critíca para sobreviver.
O petróleo pode ajudar um micro-estado a sobreviver (veja-se o Brunei e Kuwait), mas pode não ser suficiente (Timor por ex.).
Embora algo crítico dos Dom-Tom franceses, conclui que S. Tomé é o tipo de países que não o devem ser e ser enquadrado por um estatuto periodicamente referendado do tipo Dom-Tom português.
Serei neo-colonialista? Talvez, mas dado que eram umas ilhas desertas quando foram descobertas talvez eles sejam portugueses.
No entanto neste momento já é tarde para fazer alguma coisa porque embora haja desejo da população, seríamos visto como alguém que se vai apoderar do petróleo.
E assim fica um país sem saída.