terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Concurso, qual concurso?

Eu sei que de tanto se usar se tornou um lugar-comum, mas pelo menos aqui no blogue nunca a ele recorri: não basta ser sério, é preciso parecer. Seja a mulher de César ou outra entidade pública qualquer. Isto para dizer que não tenho razões para duvidar da seriedade de quem quer entregar, por ajuste directo, sem concurso, um projecto no valor de 356 mil euros, mas tenho razões para achar que não é a melhor forma de proceder.A história conta-se rapidamente, só para ficarem a saber mais ou menos o mesmo que eu. A Câmara de Matosinhos (CMM) decidiu entregar à “Carlos Guimarães e Luís Soares Carneiro Arquitectos” o projecto de arruamentos e infra-estruturas da segunda fase do Parque Desportivo Nascente e Complexo Desportivo do F.C. Infesta, que inclui um novo estádio. Fazer o projecto custa 356 mil euros [imaginem quanto não custará concretizá-lo], mas nem por isso a CMM achou que devia fazer concurso público. Justificação? Tinha sido o mesmo gabinete a fazer o Plano de Pormenor e entregar agora o projecto a outros “poderia conduzir à introdução de alterações ao desenho urbano” [é nesta altura que, não duvidando da seriedade, se começa a duvidar da sensatez].O Tribunal de Contas é que não foi em cantigas. São duros de ouvido os juízes e explicaram, preto no branco, que a lei não permite ajustes directos para coisas destas e para estes valores [estranho é que pelo menos os juristas da CMM não saibam]. Os juízes recusaram o visto em Agosto, a Câmara recorreu [com isso se limitando a perder tempo] e voltou a perder em Novembro. Lei é lei, vai abrir concurso. Quando não se sabe.Há várias coisas que se podem dizer sobre uma história destas. A primeira é que um projecto de 356 mil euros não se entrega por ajuste directo. Provavelmente só no Chade [e, vá lá, no Butão, só para espevitar o Daniel], é que semelhante requisito não se impõe.A segunda é que o argumento só pode ter sido usado na esperança de que os juízes, provavelmente já velhinhos, do Tribunal de Contas, não percebem nada de arquitectura e aceitavam qualquer argumento. Ora, quando se lança um concurso, podem estabelecer-se critérios e evitar surpresas desagradáveis. Para já não falar do facto de um Plano de Pormenor não “desenhar” nada. O desenho surge depois, quando se “desenha” o projecto.A terceira é que já cansa esta mania de que a “cidade da arquitectura” tem de encomendar tudo sempre aos mesmos. Sendo que os mesmos, ou são os que entretanto criaram nome, por boas ou más razões, ou os que se encostaram aos circuitos do Poder. Podem gritar comigo à vontade, qualquer arquitecto sabe que isto é verdade e o reconhece.Por tudo isto e por mais alguma coisa que a estimada audiência não deixará de acrescentar, seja por 356 mil euros, seja por 10 mil euros, das duas uma: ou entregam os projectos aos arquitectos municipais, que há lá muitos e alguns bons, e fica mais barato, ou fazem concurso e que ganhe o melhor.