terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Jogos de memória

E se de repente olhássemos 20 anos para trás? Para a cidade e para a gente de que é feita? Como fomos antes, como somos agora? Melhores, piores? Ou apenas diferentes, sem qualificativos?Espreitava hoje pelo gradeamento do que já foi a Gist Brocades, a antiga fábrica de fermentos da marginal - onde agora se erguem vigas de cimento e paredes de tijolo - e a memória remeteu-me para alguém que já lá trabalhou e está agora nos confins da Rússia. Quem estava comigo, mais sensorial do que eu, recordava por sua vez o odor adocicado do fermento. Um cheiro bom ou mau? Todos temos memória da cidade, das coisas e das pessoas, apenas guardamos instantâneos diferentes. Ou complementares.Há 20 anos não havia calçadão na marginal, ali em frente à Gist. Mas na verdade ninguém lhe sentia a falta. Bastava-nos o areal e o mar. Quando o processo produtivo corria mal, a fábrica esgotava tranquilamente os seus enormes tanques para o oceano, sem tratamento. Mas nós, ou não sabíamos, ou não queríamos saber. Agora seria uma coisa má, mas naqueles tempos a militância ecologista ainda dava os seus primeiros e dolorosos passos. Se não me falha a memória, em Valpaços, em refregas contra os eucaliptos e os bastões da GNR.Há 20 anos, o que se via da minha janela era uma bela Quinta, com muito de verde e pouco de Seca. Eu, por exemplo, entretinha-me às vezes a observar cavalos e cavaleiros no picadeiro que a quinta tinha. Duas décadas depois, e com excepção de uma pequena mancha arbórea junto à Circunvalação, o que se vê da minha janela é betão, e de má qualidade. Mas será assim tão mau? Para as minhas observações a partir da janela é capaz de ser, mas a verdade é que parte desse betão corresponde ao Hospital de Pedro Hispano e o facto de ele entretanto se ter feito é coisa boa. A outra coisa que se vê é o enorme complexo cooperativo das Sete Bicas. Feio, mas útil, porque precisamos todos de uma casa para morar e são poucos os que têm que chegue para os jogos de arquitectura de Matosinhos-Sul.Há 20 anos, entre as urbanizações da Quinta Seca e do Real, por exemplo, cruzavam-se vários caminhos, em sentido real e figurado. Mas a ligação principal era de terra batida e pedra solta, pelo meio de mato. A aventura era maior do que hoje, e aventura é uma coisa boa, mas também tinha os seus riscos. Eu que o diga que ainda me lembro do “salteador” [se fosse hoje, diria arrumador] que uma vez me quis ficar com a carteira. Estava sempre vazia, mas era minha. Por isso defendi-a corajosamente… fugindo pela vereda abaixo.Hoje já não existe o velho caminho entre as duas urbanizações. Mas há ruas, passeios e jardins. E até a blogosfera, porque os factores de união estão onde menos se espera. Basta abertura de espírito. O canal de metro também fica mais ou menos a meio caminho e eu sou a melhor testemunha de que essa foi uma mudança boa, poupo dinheiro nas deslocações casa/trabalho e já agora poupo o ambiente com mais eficácia que os ecologistas tontos que atacam milheirais. Há 20 anos, não tinha metro, tinha o 76 e, quando estava para aí virado, o 19 e o 1. Passeio bonito, mas lento.Tenho saudades e não tenho, porque está tudo guardado. As cidades felizmente envelhecem, reconstroem-se e redescobrem-se. E é reconfortante saber que com as pessoas que a habitam pode acontecer o mesmo.
PS - São imagens de há 20 anos. O que confirma que há coisas que mudam (a paisagem que se vê da minha janela) e outras que não (a cara de trombudo). Eu não te disse?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Privatizar... sem cobrar bilhete

Guilherme Pinto tinha prometido que a concessão a privados da Quinta da Conceição voltaria à agenda. Cumpriu. Mas para além disso, corrigiu. Digno de nota e de elogio.
As suas propostas (ver post em baixo) vão hoje a votos na reunião pública da Câmara e o cenário proposto agora é bastante diferente do processo de “privatização” que tentou impor, sem sucesso, há ano e meio.Como salienta a documentação que os vereadores terão para votar, “a entrada na quinta é gratuita”. Se bem se recordam, na proposta anterior a concessão era quase uma privatização precisamente porque permitia que a entrada num parque público fosse selectiva. Nos eventos nocturnos, que agora estão “proibidos”, o concessionário poderia cobrar bilhete.Agora a concessão é apenas para os campos de ténis, a piscina, actividades de restauração (bares) e quiosques de gelados. Embora se continuem a misturar alhos com bugalhos, porque se entrega à mesma empresa a manutenção dos jardins e a vigilância. E como esta continuará a ser paga pela Câmara, mas as outras geram receitas, obrigará a umas contas de mercearia que a papelada disponível não explica.Outra falha da proposta é o facto de não tentar estabelecer balizas para os preços a praticar pelo concessionário nos campos de ténis e na piscina. Fica ao altíssimo critério de um privado qualquer definir quanto paga o cidadão para entrar num equipamento público que foi pago com os seus impostos? Parece-me pouco razoável, mas enfim, espero que na fase negocial haja bom senso.As boas notícias são sobretudo duas. Independentemente destas trapalhadas “privatizadoras”, avançam concursos autónomos para a recuperação da quinta, dos seus jardins e dos seus equipamentos. Haja ou não concessão. Pode ser que com isso ela volte a entrar nos hábitos de passeio da população. Espaços de fruição e brincadeira não lhe faltam apesar dos anos de abandono.
A outra boa notícia é que a Suma, empresa especializada na recolha de lixo e varredura de ruas [é do caraças!..], deixará de explorar a piscina da Quinta da Conceição. Pode ser que passe a ser possível ir lá dar umas braçadas no Verão. Porque até aqui, digo-vos eu, que já lá estive com esta especializadíssima gestão, era de fugir. Na piscina, nem recolhiam o lixo nem faziam varredura…

Concursos na quinta

Concurso 1 – Custa 430 mil euros (mais IVA) tem um prazo de execução de 150 dias e inclui a recuperação de balneários e sanitários, parque infantil, capela, recuperação da iluminação pública e construção de nova área de merendas.
Concurso 2 – Custa 250 mil euros (mais IVA), tem também um prazo de execução de 150 dias e inclui a construção de jardins e área florestal e a instalação de um sistema de rega automático.
Concurso 3 – Concessão da exploração e gestão da Quinta da Conceição a uma empresa privada, que poderá explorar os campos de ténis, restauração e piscina, bem como abrir quiosques de venda de bebidas e gelados. Não haverá actividades nocturnas e o acesso do público à quinta será sempre gratuito. O vencedor assumirá também a prestação de serviços de manutenção e vigilância das quintas de Santiago e da Conceição, recebendo para isso 1,3 milhões de euros. O contrato de concessão abrange um período de cinco anos.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

E nós a vê-los passar

Nada se discute em Matosinhos. Nenhuma decisão merece debate público prévio e sério. Agora, como antes. Tudo se faz no segredo dos gabinetes. Na verdade, nem sequer entre autarcas eleitos na mesma lista se discutem as opções estratégicas para a cidade e para o concelho [o que não se divulga, não existe]. E se é assim entre eles, muito menos se discute ou sequer se informa os cidadãos. Quando a informação chega é já sob a forma de propaganda. Agora, como antes.
Pergunta. Quantas vezes se lembram de ter havido, em Matosinhos, qualquer espécie de discussão séria e prévia sobre a expansão da rede de metro, sobre o que se deve ou não fazer, sobre que linhas são importantes, como ou quando fazer? A pergunta é retórica, porque já se conhece a resposta. O povo não percebe nada disto e as nossas elites políticas têm mais que fazer [fora a célebre passeata de há uns anos, em que se foi de avião mostrar umas linhas de metro de superfície a uma meia dúzia de contestatários da Senhora da Hora].
O tema e a pergunta trazem água no bico? Certamente. Chegam a propósito de mais uma reunião pública – e friso pública, porque significa que os munícipes puderam assistir – da Câmara do Porto, em que Oliveira Marques (presidente da Administração da Metro) e Álvaro Costa (professor da Faculdade de Engenharia) foram explicar o projecto de desenvolvimento da rede de metro. Concretamente, e cito, as alternativas para a ligação Ocidental entre Matosinhos e Porto. Leram bem, entre Matosinhos e Porto.
Pois... não me consta que esta apresentação e este debate se vão repetir por cá. Como não se repetiu em vezes anteriores. Pela simples razão de que cidadania é por aqui palavra vazia. Tem servido apenas para temperar discursos do passado e do presente. Na verdade, nem a esmagadora maioria dos cidadãos a quer exercer, nem os gestores políticos estão interessados em promovê-la. Democracia participativa? Lagarto, lagarto, lagarto…
Adiante. Uma vez que por cá nada se debate, fiquemos ao menos a saber, através do Porto, o que se prepara. Os dois técnicos foram explicar, por exemplo, que comparando as propostas para ligar Matosinhos e Porto, é a que segue pelo canal da Avenida da Boavista que revela maior potencialidade. Para quem não se recorde ou não saiba, se e quando esta linha avançar passará a ser a ligação principal entre o centro de Matosinhos e a Boavista, secundarizando a actual Linha Azul.
Pelos vistos, o segundo percurso mais apetecível entre as duas cidades é a linha que agora se propõe a partir da Senhora da Hora, cruzando S. Mamede de Infesta, para “engatar” na Linha Amarela, ali junto ao Hospital de S. João. Aliás, Oliveira Marques e Álvaro Costa defendem que esta ligação é útil e complementar a uma nova ligação pela Boavista. Não é apenas uma alternativa. Mas haverá quem lute para que isto possa ser assim?
Outras perguntas. O que pensa a Câmara de Matosinhos sobre estas matérias? Se tiver de optar, prefere a Boavista ou S. Mamede? Será que alguém pensa ser interessante trazer a Administração e os estudiosos do metro a Matosinhos? Quem vai fazer o convite? A Câmara não tem um representante na Administração da Metro? Quantas vezes reuniram Narciso Miranda e Guilherme Pinto, nestes dois últimos anos, para acertar posições sobre a matéria? A cidade terá de pagar os arrufos entre estes personagens? A ligação pela Boavista, a fazer-se, incluirá extensão entre o Senhor de Matosinhos e Leça da Palmeira? Os técnicos da autarquia foram sequer consultados por quem fez os estudos mais recentes sobre os melhores percursos ou a localização de estações? Alguém na Câmara saberá sequer do que estou para aqui a falar?

sábado, 19 de janeiro de 2008

Massacre de tijolo e betão

Esta parte não se via nas fotografias em baixo, mas adivinhava-se. É uma das coisas más desta terra, a mania de que basta a assinatura de um arquitecto prestigiado para que tudo se justifique.
Esta bizarma de tijolo e betão que parece capaz de entrar Calçadão dentro é da autoria de Alcino Soutinho. Um arquitecto que tanto faz obras admiráveis (por exemplo, os Paços do Concelho de Matosinhos ou o mais recente Museu do Neorealismo de Vila Franca de Xira) como bestialidades destas. Eu sei que isto assim, sem o reboco, parece pior do que vai ser, mas continua a ser uma ocupação brutal.
Quando a Câmara de Matosinhos autorizou este projecto, para o quarteirão da Gist-Brocades, vendeu-nos a imagem de uma densidade baixa, com uma extensa praça pública na frente. Ao olhar para o resultado, apetece dizer que mais valia terem metido a praça no bolso e fazerem uma coisa menos agressiva.
Mas este não é caso único, como todos bem sabemos. A aposta de Narciso Miranda e Manuel Seabra - quando faziam parelha na presidência e no pelouro do urbanismo - para Matosinhos-Sul foi, desde o início, a de construir sempre o máximo, com justificação de que Álvaro Siza defendia o mesmo. A gestão autárquica actual, pelos vistos, caminha alegremente no mesmo sentido.
O resultado está à vista de todos. É verdade que há prédios que, apesar da dimensão, têm alguma qualidade estética. Mas de que me vale tentar apreciar uma fachada desenhada por Soutinho, Souto ou Siza, se quando observo o conjunto me sinto massacrado por betão e tijolo?
É frequente dizer-se que as câmaras se acomodaram às receitas provenientes da construção e que é preciso mudar de sentido. Da boca dos autarcas, incluindo os nossos, também se ouvem frequentemente juras do género. Mas esquecem-se sempre de pôr em prática o que teorizam. Deve ser culpa dos direitos adquiridos.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Semáforo verde ou vermelho?

“Tropecei” em Carlos Oliveira aqui há uns dias, ao folhear o suplemento do “Matosinhos Hoje” dedicado às 100 maiores empresas do concelho. Era a “reportagem” que fechava o suplemento, historiando a transformação de uma loja de componentes eléctricos e telecomunicações numa empresa dinâmica com uma facturação média anual de seis milhões de euros, a “Soltráfego – Soluções de trânsito, estacionamento e comunicações”.Digno de elogio evidentemente. Eu pelo menos, apesar de não ter o mínimo “faro” para negócios, gosto de gente que cria estes pequenos impérios económicos, criando riqueza para si e para quem trabalha para si, sobretudo se não atropelar ninguém pelo caminho. E no caso, ainda a julgar pelos números do MH, são 60 pessoas, 18 deles licenciados e 5 portadores de deficiência. E olhem que este tipo de responsabilidade social é raro.Ainda no MH, como que a fechar, ficava o esclarecimento de Carlos Oliveira sobre os seus negócios com a Câmara de Matosinhos, que garante não ser o seu melhor cliente: em 2002 facturou 208 mil euros; em 2003 foram 141 mil euros; em 2004 foram 213 mil euros; em 2005 foram 313 mil euros; em 2006 foram 204 mil euros; e em 2007, até 30 de Novembro, 60 mil euros. O gestor diz que isto representa apenas 3,6% da facturação anual da empresa. É uma maneira de ver as coisas. A outra é dizer que foram 1,139 milhões de euros que a Câmara pagou em seis anos. Assim até parece mais, não parece?Na verdade seriam contas sem interesse nenhum se estivéssemos a falar de um homem de negócios descomprometido. Mas o próprio Carlos Oliveira sabe que não é assim, ou não tomaria a iniciativa de apresentar explicações.Carlos Oliveira é, por exemplo, o parceiro privilegiado da Câmara de Matosinhos na sua estratégia de gestão da Leixões SAD. Até assumiu publicamente que foi a pedido de Guilherme Pinto, actual presidente da Câmara, que assumiu a presidência da SAD. Ele, que até então nunca assistira a um jogo de futebol ao vivo.E depois Carlos Oliveira é pai de Nuno Oliveira, o número dois da Câmara de Matosinhos. Certo, pais e filhos não podem ser prejudicados pelas escolhas que cada um faz. Mas não sejamos hipócritas, quando as fizeram sabiam bem que leituras e implicações teria. Logo, terão de suportar perguntas como esta: não seria tudo mais transparente se a Soltráfego se abstivesse de fazer comércio com a Câmara de Matosinhos, pelo menos enquanto o actual “vice” e vereador com o pelouro das Finanças por lá estiver? Até tendo em conta que, segundo o próprio Carlos Oliveira, é negócio de tostões sem peso na facturação global…

sábado, 12 de janeiro de 2008

O regresso do regresso

É notícia hoje n’O Primeiro de Janeiro e no JN - “Narciso vai voltar a Matosinhos”. O desabafo foi feito num canal de televisão semi-clandestino chamado Região Norte Televisão (RNTV). Consta que está acessível à clientela da TvTel. Eu tenho a distribuidora, mas não tenho o canal sintonizado, por isso só sei pelo que li.E então o que se passa? O homem manifestou-se disponível para se recandidatar à Câmara Municipal de Matosinhos pelo Partido Socialista. Não foi disponibilidade para o “combate autárquico” em geral, foi mesmo aqui para a terreola. E pelos vistos voltou a largar que, se não for a bem, vai a mal, ou seja, concorre “nem que tenha de o fazer sozinho”.Estava-se mesmo a ver a resposta de que estava à espera. E a verdade é que o PS, pela voz desse prodígio da intuição política chamado Renato Sampaio, veio logo a terreiro garantir que conta com o homem para os tais “combates autárquicos”, mas não para Matosinhos. Se Narciso tivesse pedido a Renato que lhe fizesse este jeito, não tinha resultado tão bem. Agora já pode dizer, sem receio de ser desmentido, que mais uma vez esteve disponível para o seu partido e que, mais uma vez, o partido não quis. Não se faz, comentará a parte do eleitorado mais choramingas e saudosista.Mas o que eu gostava mesmo era de saber a opinião sobre estas matérias, não de Renato Sampaio, presidente da distrital, mas de Manuel Seabra, presidente da concelhia. O líder do partido mais importante do concelho não devia aparecer à superfície ao menos de vez em quando e soltar um ou outro espirro? Já tem tão pouco peso que ninguém tem paciência para o ouvir? Não está para se chatear com minudências? Ou simplesmente não tem opinião sobre nada do que por aqui se passa? E nem sequer estou a pensar no regresso da sua besta negra.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

É muita casinha

Dados:
Um concelho; 169 mil habitantes; uma empresa municipal de habitação; 46 bairros sociais; 4276 fogos; 17104 inquilinos (fogos x 4); 2,403 milhões de euros de rendas em 2009; 1,571 milhões de euros para investir na reabilitação de cinco bairros em 2009.
Conclusões:
1 – Há demasiada gente dependente da Câmara Municipal de Matosinhos para ter um tecto. Mais de 10% da população do concelho com um apoio para toda a vida (a não ser que deixem de pagar a renda). O que é mau, porque se a habitação é social deveria seguir-se a mesma regra de outros apoios sociais, garantidos apenas enquanto são necessários (numa perspectiva benevolente, está bom de ver).
2 – Temos uma empresa municipal que saca bastante mais em rendas (2,4 milhões) do que aquilo que investe em recuperação das casas (1,5 milhões). Só na aparência é que isto é bom. Pode parecer que se controla o défice, o que está na moda, mas na verdade esta é uma poupança que pagaremos (os que pagam impostos), com juros e correcção monetária, no futuro. A qualidade da construção em Portugal é má e a de habitação social é abaixo de cão. Matosinhos, por mais que se auto-elogie, não foge à regra. A degradação é rápida, também porque quem lá vive demonstra demasiadas vezes pouca estima pelo que lhe «deram» (é o problema de ser dado e arregaçado). Resultado, dentro de alguns anos estará tudo a cair de podre e custará muito mais dinheiro ao contribuinte que, queira ou não, ainda terá de pagar a Euribor, que não é subsidiada.
3 – Porque é que a nossa Câmara não vende pelo menos dois terços do casario aos seus actuais inquilinos? Não é preciso que ganhe dinheiro com isso, até as pode dar, ganha-se com o que se vai poupar no futuro. Ficar com um lote à volta de 1500 casas deve ser mais do que suficiente para gerir as situações mais aflitivas e para ter uma ou duas dezenas de fogos para casos de emergência social. Isto não significa que a Câmara abandone os seus deveres de intervenção social, é o contrário, aprofunda o apoio a quem verdadeiramente precisa dele.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Concurso, qual concurso?

Eu sei que de tanto se usar se tornou um lugar-comum, mas pelo menos aqui no blogue nunca a ele recorri: não basta ser sério, é preciso parecer. Seja a mulher de César ou outra entidade pública qualquer. Isto para dizer que não tenho razões para duvidar da seriedade de quem quer entregar, por ajuste directo, sem concurso, um projecto no valor de 356 mil euros, mas tenho razões para achar que não é a melhor forma de proceder.A história conta-se rapidamente, só para ficarem a saber mais ou menos o mesmo que eu. A Câmara de Matosinhos (CMM) decidiu entregar à “Carlos Guimarães e Luís Soares Carneiro Arquitectos” o projecto de arruamentos e infra-estruturas da segunda fase do Parque Desportivo Nascente e Complexo Desportivo do F.C. Infesta, que inclui um novo estádio. Fazer o projecto custa 356 mil euros [imaginem quanto não custará concretizá-lo], mas nem por isso a CMM achou que devia fazer concurso público. Justificação? Tinha sido o mesmo gabinete a fazer o Plano de Pormenor e entregar agora o projecto a outros “poderia conduzir à introdução de alterações ao desenho urbano” [é nesta altura que, não duvidando da seriedade, se começa a duvidar da sensatez].O Tribunal de Contas é que não foi em cantigas. São duros de ouvido os juízes e explicaram, preto no branco, que a lei não permite ajustes directos para coisas destas e para estes valores [estranho é que pelo menos os juristas da CMM não saibam]. Os juízes recusaram o visto em Agosto, a Câmara recorreu [com isso se limitando a perder tempo] e voltou a perder em Novembro. Lei é lei, vai abrir concurso. Quando não se sabe.Há várias coisas que se podem dizer sobre uma história destas. A primeira é que um projecto de 356 mil euros não se entrega por ajuste directo. Provavelmente só no Chade [e, vá lá, no Butão, só para espevitar o Daniel], é que semelhante requisito não se impõe.A segunda é que o argumento só pode ter sido usado na esperança de que os juízes, provavelmente já velhinhos, do Tribunal de Contas, não percebem nada de arquitectura e aceitavam qualquer argumento. Ora, quando se lança um concurso, podem estabelecer-se critérios e evitar surpresas desagradáveis. Para já não falar do facto de um Plano de Pormenor não “desenhar” nada. O desenho surge depois, quando se “desenha” o projecto.A terceira é que já cansa esta mania de que a “cidade da arquitectura” tem de encomendar tudo sempre aos mesmos. Sendo que os mesmos, ou são os que entretanto criaram nome, por boas ou más razões, ou os que se encostaram aos circuitos do Poder. Podem gritar comigo à vontade, qualquer arquitecto sabe que isto é verdade e o reconhece.Por tudo isto e por mais alguma coisa que a estimada audiência não deixará de acrescentar, seja por 356 mil euros, seja por 10 mil euros, das duas uma: ou entregam os projectos aos arquitectos municipais, que há lá muitos e alguns bons, e fica mais barato, ou fazem concurso e que ganhe o melhor.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Fora dos carris

Para que servem os carris da marginal? Há uns anos atrás, alguém sonhou com o regresso do eléctrico, unindo a linha costeira de Matosinhos e do Porto. Quando o projecto de remodelação da marginal de Matosinhos-Sul foi riscado por Souto Moura, incluíram-se então os carris. Se a memória não me atraiçoa, chegou a estar previsto um circuito em que o eléctrico entrava, a partir da rotunda, pela Rua de Brito Capelo, “cruzava-se” com a linha de metro na Avenida da República, voltando para Poente até à Praia do Titã, e seguiria então marginal fora, de regresso ao Porto. Não se tratou de um delírio. Pelo menos a colocação de carris mereceu o acordo e o financiamento da STCP, que iria explorar a linha. Mas como se confirma agora, o projecto está morto e enterrado. Porquê? Porque há dois/três anos, e a propósito da organização do Circuito da Boavista, Rui Rio mandou retirar os carris do viaduto do Parque da Cidade e trocou o paralelo pelo alcatrão. E finalmente, já por estes dias, a marginal marítima portuense também descarrilou, de novo para entrar o alcatrão. Não julguem que a mim não me irritavam o paralelo e os carris. Também tenho carro. Mas irrita-me ainda mais o desperdício de dinheiros públicos. Sobretudo quando ninguém parece preocupado em explicar porque se faz assim, para depois desfazer assado. Os senhores autarcas têm de começar a perceber que estão a gerir o dinheiro dos seus munícipes. E que portanto as contas não se prestam apenas de quatro em quatro anos. Os carris da marginal de Matosinhos-Sul também são para retirar? Ou são para ficar? E se é esse o caso, porque não se ouviu nenhum responsável autárquico de Matosinhos a pedir contas ao Porto, quando os nossos vizinhos decidiram deitar investimento público, deles e nosso, para o caixote do lixo? Há muitas perguntas para fazer a propósito disto, duvido é que haja respostas.