Lê-se e fica-se estarrecido com a ligeireza e a falta de fundamentação. A informação é escassa, tratada de forma rudimentar, usando critérios diferentes de um ponto para outro. A argumentação é praticamente inexistente. Quem fiscaliza aceita o que for, nada se questiona. Percebe-se que basta pedir que do outro lado tudo será permitido. Primeiro os serviços técnicos, depois o vereador do pelouro respectivo e finalmente o Executivo. Do que falo? Da leitura de alguns dos pontos da última reunião da Câmara Municipal de Matosinhos. Concretamente os adiamentos de prazos de execução de três obras públicas, pedidos em pacote por uma empresa chamada Tecnifeira. Isto está saque? Às vezes é o que parece.Primeiro exemplo:As obras da segunda fase da requalificação da avenida marginal de Leça da Palmeira, que está a cargo da já referida Tecnifeira, mas em consórcio com a Benjor. Esta empreitada foi adjudicada por 2,38 milhões de euros [adivinhem os munícipes se isto inclui IVA ou não, porque a informação não está lá] e tinha um prazo de execução de 12 meses que começou a contar a 22 de Março de 2007.Agora, a uma semana do prazo se esgotar, os serviços técnicos (ou as empresas, nunca se percebe bem?) asseguram que mais de 50% dos trabalhos estão concluídos. Mais de 50%? Mas quanto? 55%, 60%, 87%, 93%? Adivinhe quem quiser. Desconfio, aliás, que na Câmara ninguém sabe.A Tecnifeira pede, então, mais quatro meses para acabar a obra, o que a atira para final de Julho de 2008. Lá se vai a promessa de acabar as obras antes de começar o Verão.Mas, o mais fantástico é a justificação para conseguir mais quatro meses. Pelos vistos a construção do parque de estacionamento junto do Bar Azul e da parte ajardinada da envolvente foi suspensa, porque o tribunal devolveu os terrenos ao ocupante.Perguntas: E em que é que isso impede a empresa de acabar o resto da obra a tempo? E se o tribunal só tomar uma decisão definitiva sobre o tal terreno dentro de dois ou três anos, como é que vai ser, vamos adiando até lá? E quem foi o incompetente dos serviços jurídicos da autarquia que deixou avançar isto sem se ter assegurado que a posse do terreno não se transformava num empecilho? E como é que um conjunto de vereadores aceita isto tudo com tanto desportivismo? E o dinheiro dos contribuintes não mereceria um pouco mais de profissionalismo e respeito?Segundo exemplo:As obras de qualificação urbana do Largo da Viscondessa, em Santa Cruz do Bispo, foram adjudicadas à Tecnifeira por 430 mil euros (com IVA, sem IVA? que importa, o dinheiro não é nosso e não acaba nunca…). Deviam ter sido feitas em quatro meses, com a data a contar desde 7 de Setembro de 2007. Dois meses depois de ultrapassado esse prazo, a empresa vem pedir mais dois meses… Importam-se de repetir? Já agora, o nível de justificações para aceder ao pedido está escrito de uma forma que quase dá vontade de chorar. Basicamente, os serviços técnicos da Câmara [ou a empresa? nunca se percebe bem…] avançam com dificuldades na circulação viária, que pelos vistos até levou à “retirada” de uma rotunda [e nesse caso também não deviam ter retirado qualquer coisita ao preço a pagar?]. Por outro lado [e esta é a minha parte favorita], “foi necessário realizarem-se reuniões relativas à instalação eléctrica, no sentido de definir a iluminação e esclarecer alguns pormenores”. Eu, se fosse vereador, e só por causa desta explicação cabal para os atrasos, aceitaria logo. Umas reuniões sobre instalações eléctricas dão cabo de qualquer cronograma. E não é que foi o que fizeram os vereadores que representam a comunidade? O meu sentido aplauso pela compreensão demonstrada.Terceiro exemplo:A mesma Tecnifeira está a construir o parque de estacionamento de Manhufe [aqueles terrenos onde se costumava instalar o circo, próximo do cemitério de Sendim], por 815 mil euros [desta vez mais IVA, que presumo ser de 5%, o que faz com que custe 855 mil euros] e um prazo de três meses que terminava a 17 de Dezembro. Já tinha sido agraciada com um prolongamento de três meses, até 17 de Março. Não chegou e agora já tem mais 30 dias. Desta vez a culpada é a EDP, que ainda não tirou uns postes de alta tensão o que, pelos vistos, impede a pavimentação. Mas não há problema, tudo ficará pronto a tempo das festas do Senhor de Matosinhos. Eu tenho fé. Eu acredito.Quarto exemplo:Este tem a ver com uma obra já acabada, a primeira fase da requalificação da marginal de Leça da Palmeira, entre o Porto de Leixões e a Boa Nova. E é só para colocar dois números, o preço pelo qual foi adjudicada e o preço final. A Tecnifeira e a Benjor acertaram tudo por 2,9 milhões de euros [mais IVA, presumo que 5%, o que atira para os 3,1 milhões, porque na verdade nada disso se explica, o que compreende, porque é escrito para gente que já sabe tudo e não precisa de ser esclarecida para decidir…], mas no final embolsaram 4,5 milhões de euros. Aqui o redactor da proposta já esclarece que a soma inclui o IVA. Deixem-me cá fazer as contas... é uma diferença de cerca de 1,4 milhões de euros. Tudo plenamente justificada, tudo muito dentro das normas e preceitos legais. Apetece perguntar, só para terminar com uma pitada de demagogia: e quando é que alguém arranja uma lei que criminalize a incompetência?